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Após morte de jornalista, ministra propõe rever atendimento a mulheres

A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves (foto), defendeu hoje (27) a necessidade de revisão das regras de funcionamento da Casa da Mulher Brasileira e de outros serviços especializados no atendimento à mulher.
Segundo ela, a partir de março, a ONU Mulheres – entidade da Organização das Nações Unidas dedicada à igualdade de gênero e ao empoderamento das mulheres – realizará uma avaliação das regras e procedimentos de atendimento das dez Casas da Mulher Brasileira existentes no país.
“A partir deste monitoramento, vamos reestabelecer quais regras têm que ser colocadas não apenas nos serviços da casa, mas em todos os serviços especializados [de atendimento às mulheres]”, declarou Cida ao participar, esta manhã, do programa Bom Dia, Ministro, uma coprodução da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) com o Canal Gov, transmitido pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
A manifestação da ministra foi causada por uma pergunta sobre o assassinato da jornalista e servidora do Ministério Público do Trabalho (MPT), Vanessa Ricarte, de 42 anos, morta a facadas pelo ex-noivo, o músico Caio Nascimento, no último dia 12, em Campo Grande (MS). Nascimento foi preso em flagrante.
A capital sul-mato-grossense foi escolhida, em 2015, para abrigar a primeira Casa da Mulher Brasileira inaugurada para atender mulheres vítimas de violência, com a proposta de reunir, em um único espaço, todos os serviços especializados (delegacia, juizado, defensoria, promotoria, equipes psicossociais etc). Desde então, a cidade é apontada como uma referência em relação a este tipo de política pública.
Repercussão e indignação
O feminicídio de Vanessa repercutiu em todo o país, causando indignação que, para a ministra, deve-se não só “à gravidade do feminicídio, mas também às falhas no atendimento” que a jornalista recebeu na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam) pouco antes de ser morta.
“[Antes de ir à delegacia] A Vanessa foi à Casa da Mulher Brasileira, onde passou pelo atendimento psicossocial e denunciou ter [sido mantida] em cárcere privado, impedida de sair de casa, por dois ou três dias”, narrou a ministra.
“[Na sequência,] ela foi à delegacia, onde, segundo a delegada, não falou [sobre a] gravidade do seu caso. E a delegada, na hora de dar [a Vanessa] a medida protetiva [contra Nascimento], mandou ela voltar para casa a fim de pegar suas roupas”, acrescentou Cida, assegurando que este não é o procedimento previsto na Lei Maria da Penha.
“A lei prevê que um oficial de Justiça ou a Patrulha Maria da Penha acompanhe a vítima até em casa. [O que não ocorreu] E ao ir em casa, a Vanessa foi assassinada”, disse a ministra, frisando que, ao deixar a delegacia, a jornalista enviou um áudio para uma amiga relatando o atendimento recebido.
“Durou quatro minutos. E ela disse ter sido mal atendida”, comentou Cida, elencando possíveis falhas no atendimento dispensado à jornalista. “A primeira: se ela [Vanessa] já tinha dito [ao receber atendimento] psicossocial [na Casa da Mulher Brasileira, que foi mantida em cárcere privado], a delegada [que a atendeu na Deam] tinha que ter aberto o sistema [informatizado] para dar continuidade ao atendimento. E ela não fez isso. Logo, não viu a parte [em que Vanessa denunciou o] cárcere privado. [A delegada] também não deve ter nem perguntado, nem investigado o suficiente para que ela [Vanessa] tivesse liberdade [para repetir os detalhes da denúncia]”, concluiu a ministra.
Mudanças
A repercussão do caso motivou o Poder Público a anunciar mudanças nos procedimentos de proteção às mulheres vítimas de violência. Em nota, o governo estadual admitiu falhas na rede de proteção às mulheres vítimas de violência e no atendimento prestado a Vanessa.
“Mais uma morte prova que não estamos conseguindo garantir proteção às vítimas de violência […] Falhamos enquanto estado, falharam as instituições, falhamos enquanto sociedade. Precisamos identificar onde erramos, planejar mudanças e agir eficazmente para termos uma solução que resulte de forma efetiva no fim da morte de mulheres em nosso estado simplesmente por serem mulheres”, manifestou o governo estadual ao informar que a Corregedoria da Polícia Civil está apurando se houve falhas no atendimento prestado à jornalista.
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS) anunciou que vai instalar uma nova vara judicial dentro da Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande, no próximo dia 7. Segundo o órgão, o objetivo da 4ª Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher é dobrar a capacidade do Poder Judiciário para processar e conceder medidas protetivas. Segundo o TJ-MS, só em 2024 foram concedidas cinco mil medidas protetivas em Mato Grosso do Sul – o equivalente a um pedido de proteção a cada duas horas.
“Precisamos implementar ações mais eficazes para controlar a violência doméstica. Temos urgência para instalar esta vara para que se possa resolver, junto com a 3ª Vara, os problemas decorrentes das medidas protetivas”, disse o presidente do TJ-MS, desembargador Dorival Renato Pavan, durante a sessão da última quarta-feira (19).
Explicou que a iniciativa é uma das ações do Poder Judiciário em resposta à crescente violência de gênero em Mato Grosso do Sul. “É importante ter dois juízes decidindo, com um menor número de processos e, a meu modo de ver, com a maior possibilidade de se deferir as medidas [protetivas] realmente necessárias”.
Treinamento para policiais
A Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul também se mobilizou, propondo que o governo estadual implemente – em caráter prioritário – um programa de capacitação e treinamento humanizado para policiais e funcionários da Casa da Mulher Brasileira, buscando garantir atendimento digno e acolhedor às mulheres em situação de violência. A iniciativa foi do deputado estadual Jamilson Name (PSDB).
O próprio Ministério das Mulheres anunciou, no último dia 18, mudanças na gestão da Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande, que passará a ser administrada conjuntamente pelos governos estadual e municipal – atualmente, os serviços são de responsabilidade apenas da prefeitura de Campo Grande.
O ministério também anunciou a implementação do Sistema UNA Casa da Mulher Brasileira na unidade de Campo Grande, a partir de março. Trata-se de um sistema nacional de dados, em fase de testes, que vai coletar e organizar, de maneira padronizada e estruturada, os dados referentes aos atendimentos realizados nas Casas de todo o país, facilitando a comunicação entre elas. A fase de testes teve início em fevereiro, nas Casas de Teresina (PI) e São Luís (MA).
O governo estadual e o Ministério das Mulheres anunciaram a assinatura de um Acordo de Cooperação Técnica do Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher, para aprimorar e agilizar o fluxo de denúncias. E há a possibilidade de criação de novas Casas da Mulher Brasileira no estado.
“Além disso, discuti com o governador [Eduardo Riedel] e com a prefeita [Adriane Lopes] que, muito mais que designar um profissional para atender mulheres em situação de violência, é preciso saber se o profissional [escolhido] tem aptidão para trabalhar com o tema. Não basta ser uma delegada, nem ser simplesmente mulher. Ou teremos atendimentos como o que a Vanessa recebeu”, concluiu a ministra.
Outras
Pesquisador indígena cataloga 150 plantas medicinais de seu território

A meta inicial era encontrar tratamentos para as três enfermidades mais recorrentes do povo Pataxó Hã-Hã-Hãi, da Terra Indígena Caramuru/Paraguassu, no sul da Bahia: verminoses, diabetes e hipertensão.
Assim começou a pesquisa do etnobotânico Hemerson Dantas dos Santos Pataxó Hãhãhãi, que – como o próprio nome indica – pertence a etnia e é doutorando do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Depois, já no âmbito formal da pesquisa acadêmica, Hemerson ampliou seu estudo e catalogou 175 plantas medicinais utilizadas pelo seu povo. A intenção foi resgatar os saberes ancestrais no uso de tais plantas, perdidos ao longo dos tempos.
Entre as várias descobertas ao longo da pesquisa, Hemerson constatou que, curiosamente, muitas das plantas medicinais utilizadas são espécies exóticas, introduzidas posteriormente no território.
Para o pesquisador, isso demonstra a fragmentação e o deslocamento forçado da população originária, acompanhados da devastação ambiental, ações de grileiros e instalação de grandes fazendas.
A história da terra indígena, território da pesquisa de Hemerson, é mesmo atribulada. Também conhecida como Terra Indígena Caramuru/Paraguassu, tem uma extensão de 54.105 hectares. Em 1926, foi tornada reserva indígena pelo então Serviço de Proteção ao Índio (SPI).
Na década de 40, com a expansão da cultura cacaueira, as terras foram invadidas por fazendeiros, expulsando boa parte dos indígenas do local. Nos anos de 1970, o governo da Bahia chegou a extinguir a reserva e concedeu títulos de propriedade a invasores.
Confrontos
No início dos anos 80, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), depois de uma longa batalha litigiosa na Justiça, conseguiu o reconhecimento das terras novamente aos indígenas, o que não impediu de existirem confrontos pela terra na região até hoje.
“Grande parte da cobertura de mata hoje se perdeu, virou pastagem. E, com isso, muitas das plantas citadas pelos anciões da aldeia foram muito difíceis de localizar e outras mesmo desapareceram”, disse Hemerson, ao comentar sobre as principais dificuldades que enfrentou no transcorrer da pesquisa.
“Quando eles voltam na década de 1980, muitas coisas tinham mudado, todo o cenário, então não tinha mais floresta, agora só pasto, as plantas foram perdidas. Então, o que foi interessante, que ele (Hemerson) cita bastante, foi ter entrado em contato com esse conhecimento sobre essas plantas do passado, dos anciões, que conheciam as plantas que existiam nas florestas antes da expulsão na década de 1940, e de tomar consciência de que era o conhecimento desses anciões”, completou Eliana Rodrigues, orientadora do doutorando na pesquisa.
No que diz respeito propriamente aos resultados do estudo, o pesquisador descobriu 43 plantas utilizadas para o tratamento de três enfermidades – diabetes, verminoses e hipertensão. E a mais comum para as verminoses utiliza-se o mastruz. No combate a diabetes, a moringa, e para hipertensão, os indígenas recorrem ao capim-cidreira.
Além disso, a investigação verificou que 79% das 175 plantas pesquisadas têm seus usos em consonância com apontamentos da literatura científica recente.
Eliana destacou que o trabalho não representa apenas o registro do conhecimento do seu povo: “Mas ele também está resgatando”. Segundo Eliana, muitos dos conhecimentos do passado foram perdidos, mas ainda muito o que foi conservado como se pode ver no estudo.
“Hemerson é o primeiro pesquisador etnobotânico do mundo”, disse Eliana sobre as relações entre o pesquisador indígena e seu objeto de pesquisa.
Povos e plantas
O termo “etnobotânico”, inclusive, diz respeito à ciência que descreve a relação entre diferentes povos e suas plantas. “Registra o conhecimento sobre determinadas culturas sobre suas plantas e usos, para qualquer finalidade, como medicinal, alimentar, construção civil e naval, para qualquer coisa”, explica Eliana.
As descobertas da pesquisa de Hemerson deverão resultar em um livro sobre a pesquisa, outro de receitas para uso seguro das plantas e um audiovisual. Além disso, um viveiro de plantas foi implantado em uma aldeia para utilização da população local.
“Já estão desenvolvendo mudas no canteiro para poder distribuir ali entre os indígenas que moram naquelas aldeias próximas, além da aldeia de Hemerson”, completou a orientadora.
Outras
Planejamento da segurança em parques reduz riscos, mas não os elimina

A morte de uma menina de 11 anos dentro do Parque Nacional da Serra Geral chama atenção para a segurança nas unidades de conservação, que também são abertas ao turismo de aventura e contemplação. Logo após o acidente no Cânion Fortaleza, no município de Cambará do Sul (RS), a concessionária responsável pelo equipamento turístico declarou cumprir um conjunto de políticas e protocolos de segurança exigidos.
“Turistas são orientados a adotarem as práticas adequadas para a atividade em meio às trilhas, sobretudo nas bordas dos cânions. Placas sinalizam o caminho e alertam os visitantes ao longo do trajeto, sobre os riscos e as precauções que devem ser tomadas”, destaca a nota divulgada pela empresa Urbia Cânions Verdes, que atua nos Parques Nacionais de Aparados da Serra e Serra Geral.
De acordo com a empresa, também é mantida equipe de segurança com bombeiros civis treinados para atendimento a emergências ou acidentes. E, como as trilhas são classificadas de nível médio e intermediário, a contratação de guias de turismo registrados no Cadastur é opcional, mas não é intermediada pelo administrador do parque.
Todas essas regras integram o Sistema de Gestão de Segurança no Parque Nacional da Serra Geral, planejamento apresentado no Protocolo Operacional de Visitação (Prov), um documento aprovado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) dentro das exigências do contrato de concessão.
O documento é um plano detalhado de como funcionará cada área onde os visitantes podem acessar e que tipo de atividades pode ser praticadas por eles. Além de informações sobre horário de funcionamento, serviços disponíveis, monitoramento das visitas e restrições aos visitantes, também são descritos todos os componentes de segurança, seja de uso individual ou os que irão compor o ambiente, como sinalização, guarda-corpo e ancoragens fixadas ou naturais. Tudo deve ser aprovado pelo ICMBio, órgão técnico capaz de avaliar a viabilidade das atividades e equipamentos.
No caso do acidente do Parque Nacional da Serra Geral, o órgão informou, por meio de nota, que não foram detectadas falhas sistêmicas na segurança e na sinalização das áreas de visitação, mas acrescentou que “como órgão gestor e fiscalizador dos contratos de concessão dos serviços de apoio à visitação da unidade de conservação, tomará medidas para revisão e eventual reforço na segurança nos parques nacionais abertos à visitação.”
Turismo
Para o diretor executivo da Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura (Abeta), Luiz Del Vigna, é importante lembrar que seja uma caminhada em uma trilha no parque, um passeio a cavalo ou a descida em uma tirolesa, todas essas práticas implicam risco.
“O fato é que a atividade de turismo de aventura, em ambientes naturais, ambientes não controlados, é evidente que os riscos de acidentes, de incidentes, são maiores. Então, como há esse risco, a gente tem que se preparar e por isso criamos um conjunto de normas técnicas que versam sobre gestão de segurança”, diz
Del Vigna explica que são 44 as regras que regulam o setor do turismo de aventura, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor. Entre as medidas previstas nas normas está o direito do consumidor saber que está pagando por uma atividade que implica um risco.
“Essa norma técnica brasileira é tão boa, que foi adotada pela ISO. Então, o que era uma norma técnica brasileira virou uma técnica internacional, que é uma norma expedida pela Suíça, pela ISO na Suíça, que é a ISO21101 o Sistema de Gestão de Segurança para Turismo de Aventura”, explica.
No Brasil, 75 parques nacionais são concedidos a empresas que operam o sistema de visitação e turismo de aventura. São unidades de conservação que variam muito no tamanho e na complexidade dos serviços oferecidos, mas que, de forma geral, são seguros, explica o diretor executivo.
“O ICMBio adotou nos seus regulamentos internos que dentro dos processos de concessões de serviços de natureza de turismo dentro das unidades de conservação federais é obrigado a ter um sistema de gestão de segurança. Então, os parques e os concessionários trabalham para isso”.
Riscos
Dentro dos parques, o risco é minimizado pelo processo de fiscalização e pela presença dessas normas técnicas no processo de concessão, afirma Del Vigna. O mesmo não ocorre no mercado externo de turismo de aventura.
O representante da Abert diz que a informalidade, a falta de fiscalização e a forma de consumo praticada pelo consumidor, que prioriza o custo à segurança, representam os principais desafios para o setor, quando o quesito é minimizar riscos.
“Os parques nacionais brasileiros são seguros, eles não oferecem riscos adicionais aos que são característicos da região, como talvez a segurança, no Rio de Janeiro, por exemplo. Não é um risco diferente de você estar em Copacabana, ou na Avenida Paulista.”
Outras
Especialistas mostram pejotização como fraude que precariza jornalismo

O suposto glamour que, muitas vezes, parece envolver a profissão de jornalista e outras atividades de comunicação social, na verdade esconde uma realidade de intensa precarização profissional.
O cenário foi avaliado em um debate com especialistas na última semana, e ocorre na esteira do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do processo que pode dar ares de legalidade a uma típica fraude trabalhista, a chamada pejotização, que é quando empresas contratam prestadores de serviços como Pessoa Jurídica (PJ), evitando criar uma relação de vínculo empregatício formal e, com isso, descumprir as obrigações previstas na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
“Temos uma pejotização irrestrita na área da comunicação, que é uma fraude trabalhista, utilizada por grandes, pequenos e médios empregadores, que se valem desse modelo para obter mais lucro explorando a única coisa que a gente tem, que é a nossa mão-de-obra”, destacou Samira de Castro, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), no debate transmitido na página da federação.
Segundo a jornalista, este fenômeno de pejotização começou ainda em meados da década de 1980, quando os profissionais passavam a ser contratados na modalidade “frila fixo” ou sócio-cotista, modelos recorrentemente aplicados por agências de comunicação. Desde então, a situação se agravou e, na atualidade, o número de trabalhadores da comunicação que trabalham por conta própria explodiu.
De acordo com os dados disponibilizados pela Receita Federal à Fenaj, apurados em 3 de junho deste ano, há 33.252 empresas com CNPJ registrados como microempreendedor individual (MEI), em atividades econômicas ligadas à edição de jornais e revistas.
“Existem 33 mil pessoas editando jornais e revistas no país? Quase o mesmo número de jornalistas com carteira assinada, basicamente. Claro que não, isso é a constatação de uma fraude trabalhista. E os nossos 31 sindicatos recebem diariamente denúncias de tentativa de escamoteamento desse vínculo formal”, denuncia Samira.
“A gente conseguia muito, na Justiça do Trabalho, comprovar vínculo, fazer com que direitos fossem reconhecidos e pagos. E agora, com esse tema no STF, é um grande golpe para a classe trabalhadora e contra os jornalistas”, lamenta a presidenta da Fenaj.
Na contramão desse processo, o número de vagas formais de trabalho na comunicação vem despencando ano após ano, com uma redução de 18% no número de empregos CLT em uma década. Em 2013, o número de vínculos com carteira assinada de jornalistas no Brasil era de 60.899, mas baixou para 40.917 em 2023, segundo dados apurados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), compilados a partir de consultas à Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e ao Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), ambos do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). São vagas que, na prática, foram extintas, para dar lugar a contratações informais ou legalmente frágeis. Os números foram divulgados em abril pela federação.
Consciência de classe
“Afinal de contas, por que isso se facilitou nesse meio específico, o da comunicação? Compreender os porquês nos ajuda a superar essa situação. O primeiro dado concreto que a gente tem que pensar é que trata-se de um nicho, os empregadores no setor são muito poucos, e eles conseguem fazer uma espécie de cartel, de aliança, de tal modo que, se uma pessoa não se submete aquelas condições, ele não é empregado nem por um nem por todos”, analisa o jurista Jorge Souto Maior, professor livre-docente de direito do trabalho pela Universidade de São Paulo (USP) e desembargador aposentado do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região.
A única forma de reagir a isso, defende o docente, é de forma coletiva, por meio da conscientização dos trabalhadores e sua organização em sindicatos.
“Muitos jornalistas não se veem com trabalhadores, mas como empreendedores, como trabalhadores intelectuais, o que de fato são, mas trabalhadores intelectuais são explorados tanto quanto trabalhadores manuais, cada um a seu modo. Na questão do mundo do trabalho não existem democráticos e não democráticos. É a classe dominante contra a classe trabalhadora”, reforçou.
Para a presidenta da Fenaj, é preciso se desvencilhar de uma narrativa ainda dominante no mercado da comunicação. “O discurso sedutor do eu empreendedor, o patrão de si mesmo, para o trabalhador jornalista, isso não cola. Estamos subordinados a um veículo com sua linha editorial, que inclusive causa muito sofrimento psíquico. Essa pejotização fraudulenta está ferindo de morte os trabalhadores e a nossa categoria”, apontou Samira de Castro.
“Ser classe trabalhadora não é rebaixamento, é a explicitação do real. Se não somos capitalistas, donos dos meios de produção, então somos classe trabalhadora, e temos que lutar juntos por melhores condições de trabalho. É sindicalização mesmo, greve e organização política como classe. Individualmente, nós não vamos resolver os problemas”, enfatiza Souto Maior.
Tecnologia e apropriação
A esse modelo histórico de precarização, soma-se um processo de reconfiguração do mundo do trabalho capitaneado pelas grandes empresas de tecnologia, as chamadas Big Techs. Referência nos estudos sobre comunicação, trabalho e plataformas digitais, a professora Roseli Figaro, da USP, avaliou que a precarização assumiu patamares ainda desafiadores na atual fase do capitalismo.
“As grandes empresas controlam a produção e o fluxo informacional do mundo. Não apenas o fluxo dos usuários comuns, que querem se falar, mas elas controlam as ferramentas que proporcionam o trabalho em diferentes áreas profissionais, do advogado, do professor, do médico, do psicólogo, do dono da padaria e, sobretudo, o trabalho dos profissionais da comunicação”, apontou a pesquisadora.
Ao mesmo tempo em que reformulou o trabalho, o capitalismo informacional, segundo Roseli Figaro, subordinou as empresas tradicionais do mercado de comunicações às grandes empresas de tecnologia.
“A monetização do jornalismo [na internet] não é mais circulada nos links. Agora, as notícias são apropriadas e sintetizadas como texto da própria inteligência artificial do Google, a Gemini, por exemplo. Mesmo citando a fonte, ninguém sequer precisa abrir o link, como se fazia antes. O que é isso senão a apropriação da propriedade intelectual do outro?”, questionou a professora.
O tema da inteligência artificial generativa, que está impactando a indústria de notícias, tem sido apontado por especialistas e organizações como crucial no mundo contemporâneo e que deve ser objeto de regulação por parte dos governos.