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Educação

Formação para novas tecnologias passará a fazer parte da EJA

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© Tânia Rêgo/Agência Brasil

Habilidades como enviar mensagens de texto em redes sociais, identificar golpes e informações falsas online, usar aplicativos bancários e até mesmo fazer perfis em apps de namoro deverão fazer parte da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil. Neste mês, começou em todo o país a formação voltada para os alfabetizadores da EJA e a educação midiática está entre os tópicos abordados.

“A gente defende que essas tecnologias possam ser exploradas de uma forma crítica, para que esse sujeito seja um utilizador delas. Não que ele tenha a tecnologia como a solucionadora de todos os problemas, mas que ele compreenda essa tecnologia como algo que pode auxiliar, que pode facilitar a vida dele”, diz a professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Daniele Dias.

Dias coordena o Programa de Formação de Alfabetizadores e Docentes dos Anos Iniciais do ensino fundamental, desenvolvido pela UFPB em parceria com o Ministério da Educação (MEC) e com a Cátedra Unesco de EJA. Trata-se da primeira formação ampla de âmbito nacional ofertada aos alfabetizadores da EJA. O curso é voltado para 1,3 mil formadores regionais, que, por sua vez, são responsáveis por repassar os conhecimentos para as redes de ensino até chegar a coordenadores e professores, que levarão os conteúdos para as salas de aula. A formação, que é online, começou este mês e segue até 2026.

O programa faz parte do Pacto pela Superação do Analfabetismo e Qualificação na Educação de Jovens e Adultos, o Pacto EJA, lançado no ano passado pelo governo federal como uma iniciativa inédita para dar ênfase e visibilidade à educação voltada para jovens, adultos e idosos.

O foco dessa formação é capacitar as redes de ensino para que se possa garantir a alfabetização de jovens, adultos e idosos que não tiveram a oportunidade, quando crianças, de aprender a ler, escrever e fazer contas simples. No Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 11,4 milhões de pessoas com 15 anos ou mais de idade, não sabem ler e escrever sequer um bilhete simples.

Nos dias atuais, a alfabetização para os meios de comunicação e as novas tecnologias passa também a fazer parte das habilidades necessárias para se integrar plenamente na sociedade atual.

Professora Daniele Dias, da da Universidade Federal da Paraíba (UFPB)/Arquivo Pessoal

“Essas pessoas precisam que alguém faça o Tinder [aplicativo de namoro] delas. Ou seja, o analfabetismo, tem um impacto inclusive sobre a vida afetiva. Percebe que você está entrando em outra dimensão da cidadania? Essas pessoas não escrevem e não leem no WhatsApp, elas só mandam áudios. Essas pessoas precisam inventar alguma estratégia para pegar o ônibus, dizer que elas não estão enxergando bem, porque elas não querem expor esse analfabetismo. Então, tem a ver com a cidadania, não é?”, defende Dias.

Além disso, aprender a usar as novas tecnologias também evita golpes e outros crimes. “São essas mesmas pessoas que, muitas vezes, caem em golpes na internet. Tantas pessoas têm seus dados roubados, por exemplo. Elas precisam receber orientações, precisam ser educadas para usar esse espaço e compreender também que esse espaço virtual tem questões que precisam ser analisadas antes de ser reproduzidas”, diz Dias.

Valorizar a história dos estudantes

A formalização de uma educação voltada para adultos no Brasil começou nos anos 1940, diante da demanda por alfabetização e formação daqueles que não haviam concluído os estudos na idade esperada.

A EJA é dividida em duas etapas: ensino fundamental, que inclui do 1º ao 9º ano e é cursado em pelo menos dois anos no caso dos jovens e adultos, e o ensino médio, que é cursado em 1 ano e 6 meses. Podem se matricular no ensino fundamental da EJA estudantes com idade mínima de 15 anos e, no médio, estudantes com 18 anos ou mais.

Um dos maiores desafios da EJA, de acordo com Dias, é conseguir manter os estudantes nas escolas para que concluam os estudos. Para se ter ideia, no Brasil, segundo o IBGE, pouco menos da metade (46,8%) da população com 25 anos de idade ou mais não concluiu o ensino médio.

Apesar dessa urgência, a EJA é uma etapa da educação que, em época recente, perdeu alunos e investimentos. Em 2019, a etapa contava com 3,2 milhões de estudantes, número que caiu para 2,5 milhões em 2023. Já o investimento, que chegou a R$ 1,4 bilhão em 2012, caiu para R$ 5,4 milhões em 2021. Em 2022, o número voltou a subir, para R$ 38,9 milhões, mas ainda é aquém do patamar de 10 anos atrás. Os dados são do dossiê Em busca de saídas para a crise das políticas públicas de EJA, do Movimento Educação pela Base.

Ensinar jovens, adultos e idosos a ler e escrever é diferente de alfabetizar crianças, de acordo com a professora, e é isso que o curso de formação pretende mostrar.

“Na maior parte das vezes, [esse estudante] não fica na escola. Para ele, não é um espaço onde ele se sinta abraçado. Algumas vezes, o formador, o professor que atua com ele, não tem a percepção das suas necessidades. [O formador] Trabalha de forma infantilizada, trabalha sem considerar, inclusive, a peculiaridade do adulto ou do idoso. Então, o aluno sai da escola”, diz Dias.

Para mudar esse cenário, o curso aborda uma perspectiva defendida pelo educador e filósofo Paulo Freire, de valorizar os conhecimentos que os estudantes já possuem: “Uma concepção de alfabetização em que a gente entenda que esse sujeito já traz conhecimentos com ele. Ele tem conhecimentos prévios que precisam ser valorizados, mas, sobretudo, ele precisa também ser reconhecido enquanto agente transformador da sua própria realidade, a partir da leitura que ele tem”, diz a coordenadora.

Quem são os professores da EJA?

O auxiliar técnico pedagógico da Secretaria Municipal de Educação de Ourinhos (SP) Marco Antonio de Souza é um dos que tem participado dos encontros como formador regional. Ele conta que, muitas vezes, quem atua na EJA não conta com formação específica.

“A maioria das prefeituras não tem esse professor da EJA, como tem o professor da educação infantil ou o professor do ensino fundamental. As redes quase sempre oferecem aos professores dar aulas na EJA como carga suplementar, como algo para complementar a sua renda ou para complementar a sua jornada”, diz.

Falta, então, formação a esses profissionais. Segundo Souza, uma das maiores dificuldade relatadas é justamente dar aulas para um público diverso.

“Às vezes, em uma turma, você tem jovem, você tem adulto e você tem idoso. E essa convivência de jovem, adulto e idoso não é uma coisa fácil. Tem pessoas com deficiência, tem pessoas LGBTQIA+, tem mulheres negras que estão no mercado de trabalho, tem trabalhadores que estão na informalidade. O público da EJA é hoje muito variado”.

Professor Marco Antonio de Souza atua na EJA em Ourinhos (SP). Foto: Arquivo Pessoal 

Ele diz que o município já oferecia, por conta própria, uma formação a esses professores. A cada 15 dias, os docentes cursavam uma hora. É esse espaço que hoje está sendo preenchido pela formação nacional. Segundo Souza, o município pretende levar ao Conselho Municipal de Educação uma proposta para que o curso seja considerado um curso de atualização para os docentes. Além disso, no longo prazo, a intenção é que se torne uma formação obrigatória para quem quer atuar na EJA.

Em Teixeira, na Paraíba, a formadora local Luzia Nadja Carneiro, que também participa dos encontros, diz que na escola onde atua, a Escola Maria das Graças Vasconcelos Guedes, a formação é repassada aos docentes nos finais de semana, para não prejudicar as aulas dos estudantes.

“Eu digo que é um momento histórico na educação brasileira essa questão de voltar o olhar para a educação de jovens, adultos e idosos, que era um segmento que era tido como um que só dava despesas aos municípios. Hoje, a gente tem essa oportunidade de trabalhar bem os professores a partir dessas formações. Com o professor qualificado, toda a equipe se qualifica junto”, diz.

Carneiro, que já foi professora do ensino regular antes de atuar na EJA, diz que se apaixonou pela etapa de jovens, adultos e idosos.

“Eu sou de uma cidade pequena. Aqui, a gente tem a oportunidade de conversar com esses alunos e conhecer um pouco da vida desses alunos, e a gente vê que eles chegam a dizer que antes do no início dos estudos, eles eram cegos. Viam as frases e textos, mas não sabiam absolutamente nada. E, com o estudo, eles passam a ver o mundo de outra forma. É o conhecimento, ele transforma”, diz.

Professora Luzia Nadja Carneiro atua na EJA em Teixeira, na Paraiba. Foto: Luzia Nadja/Arquivo Pessoal – Luzia Nadja/Arquivo Pessoal

Formação inédita

Segundo a secretária da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) do MEC, Zara Figueiredo, todos os estados, o Distrito Federal e 91% dos municípios já aderiram ao Pacto EJA. As adesões ainda estão abertas. 

Nesta semana, o MEC deverá publicar, de acordo com a secretária, uma portaria instituindo um grupo técnico que terá três meses para definir as metas e os indicadores que serão levados em consideração no monitoramento do Pacto EJA. “Esses indicadores são mais demorados, por que precisam de uma modulação. O Ministério do Planejamento e a CGU [Controladoria-Geral da União] estão nesse GT. São indicadores que inclusive têm impacto em financiamento e auditorias”, explica.

Além disso, de acordo com Figueiredo, a pasta encomendou um estudo sobre os impactos econômicos para o país da alfabetização e educação de jovens, adultos e idosos, que deverá ser divulgado neste semestre.

A alfabetização, do ponto de vista da cidadania, do ponto de vista da economia, do ponto de vista da democracia, é absolutamente necessária, insubstituível e inegociável”, diz. “Você pode colocar a automação que você quiser na sua fábrica, você pode ter as parcerias que você tiver, mas se você não cuidar da alfabetização das pessoas, isso não tem o retorno econômico que você prevê”.

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Educação

MEC quer estender Pé-de-Meia a todos do ensino médio da rede pública

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© Tânia Rêgo/Agência Brasil

O ministro da Educação, Camilo Santana, declarou nesta sexta-feira (11) que quer universalizar o programa federal Pé-de-Meia a todos estudantes do ensino médio público, a partir de 2026. A declaração foi dada durante a divulgação do Indicador Criança Alfabetizada no Brasil de 2024. 

Pelos cálculos do MEC, a universalização do Pé-de-Meia precisará de mais R$ 5 bilhões dos cofres públicos. Para viabilizar a ampliação orçamentária, o ministro tem conversado com representantes do Congresso Nacional.

“Eu tenho debatido muito isso com os próprios presidentes das Casas [Câmera e Senado], com a própria Comissão de Educação sobre a importância de a gente garantir, no orçamento do ano que vem, a possibilidade de ampliar os recursos para universalizar o Pé-de-Meia no Brasil.”

O ministro relata que, ao ser lançado em janeiro de 2024, o Pé-de-Meia foi, inicialmente, destinado aos beneficiários do programa Bolsa Família. No segundo semestre, a chamada “poupança do ensino médio” foi ampliada aos estudantes da rede pública com inscrição ativa no Cadastro Único de Programas Sociais do governo federal (Cadúnico), o que possibilitou o crescimento do número de beneficiários de 2,5 milhões para mais de 4 milhões de jovens do ensino médio público, em um ano.

Camilo Santana explica que, atualmente, a renda familiar por pessoa é o critério para ter inscrição ativa no CadÚnico e, portanto, delimita quem tem direito às parcelas do benefício do programa de incentivo financeiro-educacional, que somadas podem chegar a R$ 9,2 mil nos três anos letivos do ensino médio. 

 “Às vezes, a diferença entre um aluno e outro, dentro da sala de aula, é tão pequena na questão do CadÚnico, na renda per capita, que não justificaria que ele também não tenha recebido o Pé-de-Meia”, exemplificou.

Pé-de-Meia

O programa federal tem o objetivo de promover a permanência e a conclusão escolar de estudantes matriculados no ensino médio público e, desta forma, democratizar o acesso e reduzir a desigualdade social entre os jovens.

>>Saiba quem tem direito..

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Educação

Cerco a universidades dos EUA traz receio a pesquisadores brasileiros

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© Reuters/Yichuan Cao/Proibida reprodução/Arquivo

Estudantes e pesquisadores brasileiros que estão nos Estados Unidos ou que pretendem desenvolver pesquisas em universidades no país, principalmente nas áreas de humanidades, enfrentam um cenário de incertezas no governo de Donald Trump. Quem já está no país relata um sentimento de insegurança. Quem deseja ir cogita adiar os planos ou buscar outras alternativas.  

Desde que assumiu o governo, o presidente norte-americano tem atacado as universidades, anunciado cortes e criticado principalmente pesquisas voltadas para temas sociais. O país abriga universidades que estão entre as mais prestigiadas do mundo como Harvard, Stanford e Columbia, e os efeitos das medidas geram insegurança para pesquisadores de todo o mundo, incluindo os brasileiros.

A presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Denise Pires de Carvalho, chegou a orientar os pesquisadores que desejam ir aos EUA a ter um plano B. Segundo a Capes, ao menos 96 pesquisadores brasileiros desistiram de fazer parte do doutorado nos Estados Unidos este ano.

A Agência Brasil conversou sobre a situação atual com quatro pesquisadores brasileiros cujos estudos são voltados para os EUA .

Medo de falar português

O professor de filosofia da Universidade São João del-Rei (UFSJ) Marco Aurélio Sousa Alves está nos Estados Unidos com um bolsa de pós-doutorado na Rutgers University, em Nova Jersey. Esta não é a primeira vez que está no país: ele cursou o doutorado nos EUA, onde morou por sete anos, até 2014, quando voltou Brasil. Agora, pouco mais de dez anos depois, diz que encontrou um país muito diferente.

“Os próprios americanos, ou seja, a academia, de forma geral, se sente atacada pelo governo. As universidades estão sendo atacadas, estão cortando verbas deles”, diz.

O pesquisador conta que o estrangeiro é mais vulnerável, porque, somados ao ataque às universidades, há os ataques aos imigrantes. Nesse cenário, ele se sente inseguro até mesmo de falar português na rua.

“Tenho um receio que eu não tinha antes, de ser um estrangeiro falando uma língua latina nesse país. A sensação é de que eles querem mandar esse povo embora. Virou uma caça às bruxas”.

Dentro da universidade, no entanto, ele diz que tem recebido o melhor tratamento possível, tanto dos colegas quanto da própria instituição. “Há uma preocupação para que você não fique mal, inclusive do pessoal da administração da universidade. Eles ficam mandando e-mails sistemáticos tentando tirar dúvidas e deixar todo mundo mais confortável”.

A bolsa de Marco Aurélio tem a duração de um ano, até o final deste ano. Ele pretende concluir o trabalho. “Não estou aqui à toa. A verdade é que na minha área ─ eu estudo filosofia da mente e filosofia da consciência ─ há muitos anos, os Estados Unidos, as universidades americanas, têm os melhores pesquisadores. Boa parte da produção de melhor qualidade no mundo hoje é americana”.

Programa suspenso

O estudante de mestrado em filosofia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Victor Angelucci, planejava concorrer a uma bolsa para fazer o doutorado nos Estados Unidos a partir do próximo ano. Ele queria seguir os passos do professor Marco Aurélio, para quem, inclusive, pediu conselhos sobre o intercâmbio.

O estudante de pós-graduação procurou o Programa de Intercâmbio Educacional e Cultural do Governo dos Estados Unidos da América, representado pela Fullbright Brasil, que, até ano passado, concedeu bolsas para doutorado pleno na área na qual pesquisa. Mas, em maio, recebeu um e-mail que informava que as bolsas foram suspensas: “Não teremos mais editais para Doutorado Pleno. Recomendamos que entre em contato com a EducationUSA. Eles podem te direcionar para outras instituições que tenham programa na sua área de interesse”.

A resposta foi frustrante, pois, segundo o estudante, este era o caminho mais viável e seguro para estudar nos Estados Unidos. O programa era voltado para estudantes brasileiros e fazia uma ponte entre as universidades dos dois países. Participar de outros programas de seleção, como sugerido pela Fullbright Brasil, significa também concorrer com estudantes do mundo inteiro.

“De fato, hoje, o Estados Unidos é o país o líder em filosofia do mundo. É a área de destaque, onde estão os grandes especialistas, as pessoas que estão publicando mais, que são mais lidas. Então, é uma perda tremenda para o Brasil a extinção dessa bolsa”.

Procurado, o diretor executivo da Fullbright Brasil, Luiz Loureiro, diz que as mudanças nas ofertas de bolsas são comuns e “uma necessidade derivada da evolução do ambiente acadêmico”. Ele não mencionou nenhuma diretriz específica do governo americano e disse ainda que a organização optou por investir no doutorado sanduíche, no qual o estudante desenvolve apenas parte da pesquisa em outro país.  

“A diminuição contínua no número de candidatos qualificados para o doutorado pleno e o aumento constante de candidatos para bolsas de doutorado sanduíche motivou a suspensão do primeiro, com a consequente duplicação da oferta de bolsas do doutorado sanduíche”, afirmou.

 

Bolsa negada

O professor de direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Augusto Jobim teve a ida aos Estados Unidos como professor visitante cancelada no início deste ano. O professor pesquisa a ascensão das extrema da extrema direita e os fenômenos do fascismo no Brasil.  

Em dezembro de 2024, ele recebeu um e-mail do Programa de Intercâmbio Educacional e Cultural do Governo dos Estados Unidos da América, representado no país pela Fullbright Brasil, parabenizando pela pré-aprovação no Fullbright Award (Prêmio Fullbright). O prêmio concedia uma estadia de três meses como professor em uma universidade americana. Apesar de ser uma pré-aprovação, o e-mail, que solicitava mais informações e documentos, dizia que não haveria mais nenhuma análise quanto ao mérito das candidaturas e que se tratava, a partir de então, de uma “fase burocrática interna do programa”.

Após a posse de Trump, no entanto, em março, o professor recebeu um e-mail da Fullbright Brasil que dizia: “Em razão das novas diretrizes do Governo Americano, estamos no aguardo das diretrizes oficiais para dar continuidade ao processo”. Dias depois, veio a recusa: “Infelizmente, sua inscrição não recebeu a aprovação final do Programa Fullbright, financiado pelo governo dos EUA”.

Depois do que passou, ele concorda com a presidente da Capes. “Tem que pensar literalmente no plano B, como a Denise falou”, defende.

“Alunos meus não aplicaram para ir para os Estados Unidos no ano passado, já tendo em vista essa nova possibilidade que havia do governo Trump. Sim, a gente ponderou e não submeteu para lá. Eles foram para Reino Unido, Itália”, conta.

Pesquisa sensível

A professora de história na Universidade de Brasília (UnB) Laura de Oliveira Sangiovanni aguarda o resultado de uma bolsa de pós-doutorado para poder dar continuidade, nos Estados Unidos, à pesquisa que desenvolve. Com a pesquisa voltada para relações Brasil-Estados Unidos, ela investiga, por exemplo, como os EUA financiaram publicações anticomunistas de editoras no Brasil na Guerra Fria. Ela também estuda supostos testes americanos de arma biológica na Amazônia.

Os temas pesquisados são, como ela mesma define, sensíveis. Mesmo asism, ela já esteve nos EUA para desenvolver os estudos, em 2011 e em 2017. Agora, acredita que há ainda mais dificuldade e teme não conseguir o visto para viajar.

“Todo mundo que pesquisa essa área, mas especialmente quem pesquisa temas sensíveis, como é o meu caso, sabe que a concessão do visto não vai ser uma coisa tão simples assim”, diz. “A expectativa é ruim, não só em relação à negativa, à não concessão do visto, mas em relação a algo que eu acho que pode até ser pior ─ estamos trabalhando no campo das hipóteses ─, que é de eles concederem visto e o pesquisador passar por algum tipo de constrangimento, passar por algum tipo de constrangimento na imigração ou mesmo nos arquivos”.

Laura explica que muitos dos arquivos que precisa acessar estão disponíveis apenas presencialmente. O receio é que não consiga ter acesso a esses documentos, mesmo cumprindo todas as determinações legais e burocráticas.

“Pensando especificamente nesse campo de estudos de pesquisadores de Brasil e Estados Unidos, se a gente não consegue seguir avançando nas pesquisas sobre a presença americana no Brasil e na América Latina, sobre a relação com as ditaduras, sobre como a Guerra Fria foi experienciada na América Latina, isso representa não só um atraso, um retrocesso do ponto de vista do desenvolvimento da ciência, mas isso também nos fragiliza politicamente”, diz.

Caso seja aprovada, ela não pensa em desistir da bolsa e da ida aos Estados Unidos. Se for reprovada, Laura ressalta que, mesmo sem acesso aos arquivos norte-americanos, a pesquisa não será interrompida. Ela acredita que o momento pode, inclusive, possibilitar o uso de outras fontes, como os arquivos no Brasil e na América Latina.

“No meu caso, por exemplo, no ano passado, eu estive em Belém, eu pesquisei em vários arquivos em Belém e achei fontes muito importantes que, evidentemente, eu não encontrei e não encontraria nos Estados Unidos”, diz. “Essas barreiras prejudicam e limitam as nossas possibilidades de pesquisa, mas elas não nos interrompem e podem ter um efeito também interessante de ser observado, que é o fortalecimento das narrativas de uma perspectiva periférica”.

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Educação

Capes: 96 brasileiros desistiram de doutorado sanduíche nos EUA

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© Marcello Casal JrAgência Brasil

Ao menos 96 pesquisadores brasileiros desistiram de fazer parte de seus cursos de doutorado nos Estados Unidos, de acordo com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Esses pesquisadores teriam acesso a bolsas de doutorado sanduíche no país, mas optaram por mudar o destino ou adiar a pesquisa.

O balanço foi divulgado pela presidente da Capes, Denise Pires de Carvalho, em entrevista à Agência Brasil.

A presidente acredita que o motivo das desistências seja o cenário de insegurança tanto para universidades quanto para pesquisadores transmitido pelo governo de Donald Trump, que tem feito constantes ataques e cortado verbas de pesquisas das instituições de ensino.

“Há algumas áreas [de pesquisa] que têm sido impedidas nos Estados Unidos, projetos que têm sido cortados”, diz Denise, que ressaltou que as desistências ocorreram antes mesmo da solicitação do visto americano para os pesquisadores.

“Não foi o visto [a razão da desistência], foi antes do visto. Então, com certeza, foi algum motivo relacionado ao desenvolvimento do projeto de pesquisa nos Estados Unidos. O coordenador brasileiro, o americano ou os dois decidiram que, nesse momento, é melhor não ir”, afirma.

A presidente explica que, pelo programa de doutorado sanduíche no exterior, a Capes oferece bolsas às pós-graduações brasileiras. Cabe aos próprios programas decidirem os países de destino junto aos pesquisadores. Entre julho e agosto, a Capes começa a fazer os pagamentos para que os estudantes viajem, em setembro, e desenvolvam parte da pesquisa no país escolhido.

“É muito triste que a gente impeça um estudante que quer sair do país de ir, porque não é fácil, né? É bom que todos saibam que os estudantes não estão indo fazer turismo. Eles estão indo trabalhar. É muito difícil sair do nosso país para trabalhar, chegar lá e não conseguir trabalhar”, diz.

Menos bolsas em 2025

Segundo Denise, não há, até o momento, restrição oficial aos estudantes brasileiros nem cortes nas bolsas para os EUA por parte dos programas brasileiros. Mas, por conta do contexto internacional, essa oferta tem caído.

No ano passado, foram concedidas 880 bolsas para os Estados Unidos. Neste ano, a intenção era chegar a 1,2 mil, mas estão previstas apenas 350.

No mês passado, também em entrevista à Agência Brasil, Denise aconselhou estudantes e pesquisadores que estão interessados em ir para os EUA a terem um plano B. Agora, ela reforçou a recomendação.

“Há um impacto grande sobre a ciência brasileira e sobre a ciência mundial o fato de os Estados Unidos estarem se fechando em termos científicos. Ainda bem que houve desenvolvimento científico fora dos Estados Unidos, né?”, defende. “A gente não pode mais depender de um único país para o desenvolvimento de alta tecnologia, seja na área da saúde ou qualquer área que seja”.

E acrescenta: “Eu chamo a atenção de novo aos alunos e orientadores, dos pós-graduandos e orientadores, que a Capes está preparada para trocar o país de destino, para que não haja prejuízo das teses desses estudantes de doutorado e, no caso do pós-doutor, para que não haja nenhum prejuízo no seu projeto de pesquisa. Para que ele possa voltar para o Brasil e implantar essa nova tecnologia no nosso país”.

De acordo com Denise, os países mais escolhidos pelos pesquisadores brasileiros são França, Estados Unidos, Portugal e Espanha. Países do Brics, cujas parcerias têm sido incentivadas, ainda não são destinos muito procurados. Ao longo dos últimos dez anos, enquanto foram concedidas cerca de 9 mil bolsas para os EUA, para a China foram 49 e, para a África do Sul, 84.

Não há portas fechadas

No cenário estadual, segundo o presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Márcio de Araújo Pereira, os pesquisadores brasileiros têm feito sondagens junto às fundações, mas não há dados sobre os impactos na ciência e na concessão de bolsas para os EUA.

“Cada estado tem seus editais, e são editais anteriores a esse momento. Então, não há ainda dados oficiais ou que comprovem que há um fluxo de pesquisadores indo e vindo, a não ser as sondagens que são feitas de forma informal”, diz.

Assim como Denise, ele diz que o momento é de se aproximar de outros países. “Existe, sim, uma procura de várias universidades e vários países da União Europeia e também de fora, mais especificamente o Reino Unido, que têm procurado muito as fundações para criar mais parcerias e mais intercâmbio”, diz. “O olhar para o Brasil está sendo muito positivo em relação à confiabilidade da nossa ciência. Esse é um trabalho de construção de diplomacia científica que a gente tem feito.”

O presidente da Confap ressalta, no entanto, que não há intenções de rompimento com os EUA. “Não há portas fechadas. Pelo contrário, para nós, é importante que esse investimento continue acontecendo sempre na ciência, e que essas colaborações permaneçam e sempre avancem, porque é somente por meio da colaboração científica, do trabalho em conjunto, de várias redes, que a gente consegue o avanço, o desenvolvimento de várias tecnologias para o bem da sociedade”.

As Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs) são agências de fomento à Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) em nível estadual. Elas atuam apoiando, por exemplo, a realização de pesquisas, a concessão de bolsas de estudo, a subvenção a empresas inovadoras e a divulgação científica. Atualmente, existem 27 FAPs, uma em cada estado e no Distrito Federal. Em 2024, as FAPs investiram, juntas, cerca de R$ 4,8 bilhões, valor superior, por exemplo à Capes, com R$ 3,46 bilhões. 

Brasileiros nos EUA

Apesar do cenário de incertezas, a gerente de Relacionamento com Universidades na Fundação Lemann, Nathalia Bustamante, defende que é importante a presença de brasileiros nas universidades norte-americanas.

“Pelo fato de os Estados Unidos contarem com as principais instituições de ponta com reconhecimento global é tão importante que estudantes e pesquisadores brasileiros possam continuar a ocupar esses espaços”, diz.

“E é muito positivo que brasileiros de todos os gêneros, raças e classes sociais possam ocupar esses espaços e ter protagonismo na produção de conhecimento de ponta. É um avanço para o Brasil que talentos diversos tenham acesso a formações internacionais de excelência e retornem para ocupar espaços de decisão, gerar impacto e contribuir para o desenvolvimento do país”.

A Fundação Lemann já concedeu 840 bolsas para estudantes brasileiros ─ 760 destas apenas nos Estados Unidos. A Fundação também é a idealizadora dos Centros Lemann, voltados para a formação de lideranças e fomento à pesquisa para promover aprendizagem com equidade na educação básica. Nos Estados Unidos, estão em Harvard, Columbia, Illinois e Stanford.

“As medidas do governo norte-americano ainda são muito recentes e não podem ser consideradas definitivas”, diz. “Estamos acompanhando de perto os desdobramentos, pois temos todo o interesse e o comprometimento em manter os estudantes brasileiros bolsistas no exterior”.

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