Política
Impunidade de militares perpetuou tradição golpista, diz historiador

Com mais de 20 livros publicados e o reconhecimento de ser um dos maiores especialistas em ditadura militar do país, o historiador Carlos Fico planeja se aposentar em breve. O “último livro”, como ele mesmo prevê, será lançado na semana que vem com o título “Utopia autoritária brasileira: como os militares ameaçam a democracia brasileira desde o nascimento da República até hoje”.
Em entrevista à Agência Brasil, o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) comentou o desejo de publicar algo que pudesse alcançar o grande público e fosse relevante para a sociedade. Nesse sentido, o tema dialoga diretamente com a realidade atual.
No livro, ele defende que todas as crises institucionais no Brasil, desde a Proclamação da República em 1899, foram causadas pelos militares. A atuação deles se destacou historicamente por dois aspectos. A convicção de superioridade sobre os civis, que não estariam preparados para governar a sociedade, e a interpretação de que possuem licença constitucional para intervir na política.
Segundo o historiador, as lógicas intervencionistas e autoritárias têm se perpetuado há mais de 100 anos muito por causa da forma como a sociedade brasileira lidou com os militares. A impunidade foi o padrão. Nenhum daqueles envolvidos em golpes ou em tentativas de golpe de Estado foi preso nesse tempo todo.
O momento de lançamento do livro é oportuno. Nesta quarta-feira (20), a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, de forma unânime, tornar réus mais dez acusados de integrar o plano golpista para manter Jair Bolsonaro na presidência, depois de perder as eleições de 2022. Entre os réus, há nove militares. Qualquer condenação, portanto, seria um acontecimento inédito na história do país.
Agência Brasil – Qual é a ideia central do livro que está sendo lançado neste mês?
Carlos Fico – O livro foi escrito para o grande público, sem ter amarras acadêmicas. Mas tem uma espécie de tese, que é demonstrar que todas as crises institucionais no Brasil, desde a Proclamação da República, foram causadas pelos militares. Eu chamo de crises institucionais aquelas que acabam levando à ruptura da legalidade constitucional.
Para demonstrar isso, analisei em detalhes todos os episódios que podem ser caracterizados como golpes de Estado, tentativas de golpe e pronunciamentos militares. Mostro, em cada capítulo, a participação e a proeminência militar que conduziu a essas crises institucionais.
Começa com a deposição de Dom Pedro II, que foi a Proclamação da República, um golpe militar. Depois a tentativa de golpe militar em 1904, também em 1922 e 1924. O golpe militar que houve no interior da Revolução de 30. Depois o golpe de 1937, e assim por diante.
Agência Brasil – Por que a escolha da expressão utopia autoritária no título?
Carlos Fico – Chamo de utopia autoritária a hipótese que desenvolvi nos meus estudos acadêmicos sobre a ditadura militar. Ficou muito visível a percepção dos militares de que eles são superiores aos civis, de que a sociedade é despreparada até para votar e só elege político demagogo, e de que os próprios políticos são corruptos.
Com o passar dos anos, fui me dando conta de que esse tipo de percepção existe há muito tempo, desde o fim da Guerra do Paraguai e a proclamação da República. E de que continua até os dias de hoje. Essa concepção equivocada é a justificativa, o pretexto que sempre esteve presente em mais de uma dezena de golpes e tentativas descritas no livro.
Agência Brasil – Por que a Guerra do Paraguai é o marco dessa forma de pensar e de agir dos militares na política brasileira?
Carlos Fico – Desde o final do conflito, os militares começam a desenvolver uma ideia de missão especial, sobretudo porque eles venceram a Guerra do Paraguai depois de muitos sacrifícios. A guerra foi muito longa, demorou muitos anos, teve muitas mortes, inclusive por doenças.
Eles voltaram ao Brasil se sentindo obviamente vitoriosos, mas também maltratados pelo poder civil, pelo Império e pelo Conselho de Ministros. A partir daí, essa interferência dos militares na política foi crescendo. Eles passaram a se considerar com esse direito, passaram a ter uma visão de que o poder civil era corrompido e de que precisavam interferir na política.
Agência Brasil – Com tantos exemplos de autoritarismo na história brasileira, podemos dizer que é parte de uma mentalidade nacional? Algo específico da nossa cultura política?
Carlos Fico – Existe autoritarismo em muitos países, inclusive com intervencionismo militar. Não é uma peculiaridade do Brasil. Agora, o que a gente percebe é que há democracias mais consolidadas, inclusive de países que já tiveram esse tipo de intervencionismo, que se baseiam fundamentalmente na proeminência do poder civil.
O que aconteceu em 2022 e 2023 é uma marca da fragilidade institucional da nossa democracia. Eu falo sobre isso na conclusão do livro, me refiro aos episódios ocorridos no fim do governo Bolsonaro, que mostram a atualidade dessa tradição intervencionista.
Agência Brasil – Militares estiveram à frente das crises institucionais, mas o que dizer do apoio que eles receberam de outros segmentos sociais?
Carlos Fico – A utopia autoritária está presente em outros setores, que também têm visão elitista de que a sociedade é despreparada. Em muitos momentos da história política brasileira, a gente vê que a elite tem essa percepção de que o eleitor, sobretudo os mais pobres, não entendem bem a política.
Sobre a participação popular, há algumas tentativas de golpe que não tiveram muito apoio. Algumas iniciativas golpistas de militares foram desconhecidas da maior parte do povo e não contavam com apoio amplo.
Em outros casos, como em 1964, a gente pode falar que houve muitos setores da sociedade que defendiam a derrubada do presidente João Goulart. E, mais recentemente, houve durante o governo Bolsonaro um ativismo militar muito grande, que repercutiu em vários setores da sociedade.
Agência Brasil – Alguns desses ativistas evocavam até a Constituição para defender o golpe militar.
Carlos Fico – Sim, vimos bolsonaristas mais radicais pedindo a intervenção militar por meio daquela loucura que é a aplicação do artigo 142 da Constituição. Esse é um tema que eu trabalho muito no livro. O que ele é e por que foi tão mencionado pelos bolsonaristas radicais.
A história começa na Proclamação da República, no que chamo de atribuição excessiva de poderes aos militares por todas as nossas constituições. Começou na Constituição de 1891, justamente porque os militares tiveram papel preponderante, afinal foi um golpe militar.
Acabaram conquistando poderes excessivos de garantia dos poderes constitucionais, que eles chamam de GPC, uma atribuição que não deveria estar presente na Constituição e está desde a de 1891. Depois, isso foi sendo reproduzido de alguma forma nas diversas constituições seguintes, em 1930, 1946, 1967, 1969, inclusive na de 1988.
Uma pretensão grande que tenho é que as pessoas na leitura desse livro se deem conta da necessidade de alterar essa passagem do artigo 142, que é a atribuição aos militares de serem os garantidores dos poderes constitucionais. Passagem que eles interpretam como uma substituição do velho Poder Moderador do Império. O que é uma interpretação equivocada. Embora todo mundo saiba disso, os militares até hoje continuam interpretando como sendo uma licença constitucional para intervir na política.
Agência Brasil – Quando a gente lembra da ditadura militar de 1964 a 1985, um dos pontos críticos é a Lei da Anistia, de 1979, que teve seus benefícios estendidos dos presos e exilados políticos para os agentes do Estado que cometeram uma série de crimes. Qual o peso da falta de responsabilização dos militares para que essa lógica intervencionista na política continue durante tanto tempo?
Carlos Fico – É total, é total. Você lembra muito bem desse aspecto e, no livro, eu mostro uma coisa chocante que é o fato de nenhum militar golpista ter sido preso. Nenhum. E quando começou a ter algum inquérito, alguma coisa nesse sentido, imediatamente veio uma anistia aprovada pelo Congresso. Nunca houve qualquer punição.
De modo que o que está acontecendo hoje em dia é totalmente inédito. O fato de a Justiça atuar, de a Polícia Federal ter feito um inquérito, de a Procuradoria da República ter encaminhado a denúncia, de a denúncia ter sido aceita e agora de o Supremo transformar os denunciados em réus, isso jamais aconteceu.
Então, é claro que tem um significado. Espero que essas pessoas sejam condenadas e que não haja anistia. Muita gente me pergunta se vai haver anistia. Se eu olhar para a história, é mais fácil acreditar que sim, porque o padrão foi de impunidade. E isso tem impacto realmente muito grande na perpetuação desse intervencionismo até hoje.
Política
Manifestantes queimam bandeira dos EUA e boneco de Trump em embaixada

Manifestações contra o tarifaço dos Estados Unidos (EUA) imposto ao Brasil e contra a sanção ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes foram marcadas, nesta sexta-feira (1º), em 11 cidades das cinco regiões do país, entre elas, Brasília, São Paulo, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Porto Alegre, Manaus e Belo Horizonte.
Em Brasília, manifestantes queimaram uma bandeira dos EUA e um boneco do presidente Donald Trump em frente à embaixada do país norte-americano. Com cerca de 100 pessoas, o ato contou com a participação de militantes de sindicatos, partidos de esquerda e movimentos sociais. Um forte esquema de segurança cercou a entrada do local.
Na capital paulista, centrais sindicais convocaram o ato em frente ao Consulado-Geral dos EUA, no bairro Chácara Santo Antônio, com adesão de movimentos da juventude e estudantis. Os manifestantes defenderam que o governo não se submeta ao Estado estadunidense e pediram a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro, que tem apoiado as interferências de Donald Trump no país.
Brasília
Em Brasília, o ato contou com faixas com mensagens como “Sem anistia para golpistas, ditadura nunca mais”; “Fora, ianques”; e “Em defesa da soberania nacional”.
O estudante Matheus das Neves, tesoureiro da União Nacional dos Estudantes (UNE), argumentou à Agência Brasil que a política de Trump é uma retaliação a iniciativas dos países do Sul Global, em especial, à agenda do Brics. Para ele, a ação dos EUA é motivada pela extrema-direita nacional e internacional.
“O papel dos movimentos sociais, nesse período, é denunciar essas sucessivas tentativas de intervenções externas dos EUA no nosso país, na nossa autodeterminação, mas sobretudo, de resistir e dizer que a nossa brasilidade se faz presente e continuaremos na luta em defesa da nossa soberania”, afirmou.
O diretor da executiva da Central Única dos Trabalhadores do Distrito Federal (CUT-DF), Washington Domingues Neves, disse que o objetivo dos atos é esclarecer a população sobre o significado político dessa taxação.
“Queremos esclarecer a classe trabalhadora de que esse ataque contra o Brasil está sendo tramado por deputados federais eleitos pelos brasileiros. Esses políticos querem prejudicar, política e economicamente, a nossa nação. É de fundamental importância que nós brasileiros nos manifestemos”, disse à Agência Brasil.
São Paulo
Na capital paulista, o líder sindical da CUT Douglas Izzo afirmou que a mobilização acontece como recado aos Estados Unidos de que o Brasil não vai se submeter a chantagens”. “E também, dialogando com a sociedade brasileira e denunciando um setor, que é Bolsonaro e sua família, que agem como lesa-pátria. A família Bolsonaro articula, com os Estados Unidos, contra os interesses dos brasileiros”.
O diretor do PSTU, Cláudio Donizete dos Reis, comentou com a Agência Brasil que as manifestações buscam alertar para o modo como a taxação de Trump afeta todos os trabalhadores.
“A gente acredita que, além de repudiar o tarifaço, é preciso fazer todo o processo de criminalização do que o bolsonarismo vem patrocinando, uma verdadeira traição à pátria, pela nossa soberania, de apoio à articulação a esse processo”, destacou.
Para Donizete, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve proteger os direitos dos trabalhadores frente ao tarifaço de Trump.
“Acreditamos que é necessário o Lula ser mais enfático ainda contra os embargos, exercendo a garantia de emprego e fazendo com que as remessas de lucros das multinacionais americanas, em particular, não sejam emitidas”, acrescentou.
Outras pautas
Outras pautas da mobilização desta sexta foram a taxação dos super-ricos; o fim da escala de trabalho 6×1; a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil; pelo fim das relações comerciais e diplomáticas entre Brasil e Israel; e contra o PL que flexibiliza o licenciamento ambiental no Brasil, chamado pelos manifestantes de PL da Devastação.
Política
Haddad busca cooperação com Estados Unidos

Ao comentar sobre a atualização de tarifas impostas pelo governo norte-americano a produtos brasileiros, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta sexta-feira (1º) que o governo busca cooperação com os Estados Unidos e que há muito espaço para parcerias entre os países.
“É sobre isso que temos que jogar luz. Mostrar pra eles que não tem essa do Brasil cair no colo de A, B ou C. O Brasil é grande demais. Podemos realmente estreitar os laços de cooperação, desde que seja bom para os dois lados. E há muito espaço para isso. O Brasil, obviamente, concorre com os Estados Unidos em alguns aspectos, sobretudo na produção de grãos, carne e uma série de coisas que eles produzem tanto quanto nós. Mas há muitas complementaridades também.”
“Vamos fazer um esforço junto aos Estados Unidos pra mostrar que tem muito espaço para cooperação. Eles têm participado pouco de licitações no Brasil. Nossa infraestrutura está crescendo como há muito tempo não se vê. Se você pegar os indicadores de investimento em infraestrutura, eles são robustos. É isso que está segurando emprego, segurando renda. Então por que eles não podem participar mais da nossa economia? Estamos abertos. Não tem problema”, completou Haddad.
Plano de contingência
De acordo com o ministro, o governo brasileiro ainda trabalha nos detalhes de um plano de contingência voltado para setores afetados pelo tarifaço norte-americano. O pacote, segundo ele, pode ser anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva já na próxima semana.
“Do nosso lado aqui, junto com o vice-presidente Geraldo Alckmin, estamos encaminhando para o Palácio do Planalto as primeiras medidas já formatadas para que o presidente julgue a oportunidade e a conveniência de soltá-las. Mas, a partir da semana que vem, já vamos poder, a julgar pela decisão do presidente, tomar as medidas de proteção da indústria e da agricultura nacionais.”
“Vamos continuar prosperando, pelo Itamaraty, junto aos canais competentes para atenuar esses efeitos e fazer chegar às autoridades norte-americanas que efetivamente há muita desinformação a respeito do funcionamento da democracia brasileira.”
Calibrando números
Ainda segundo Haddad, o governo está “calibrando os números” junto a sindicatos de trabalhadores, sindicatos patronais e a própria Casa Civil. “Estamos calibrando os números. Por exemplo, o volume de recursos necessários pra socorrer empresas afetadas em um primeiro momento. Algumas não vão reivindicar uma ajuda adicional porque têm condição de redirecionar a sua produção e estão buscando outros mercados – inclusive mercado interno, que está aquecido”.
“A demanda por produtos alimentares está crescendo no Brasil, a renda está crescendo no Brasil, o desemprego está na mínima histórica. Então, você tem aqui no mercado doméstico uma opção. Vou receber, pra citar um exemplo, o governador do Ceará, que está vindo aqui à tarde. Ele quer um apoio de produtos, gêneros alimentícios, para a merenda do estado. Pelo que eu entendi, ele vai nos apresentar uma pequena mudança legislativa que seria necessária, na opinião dele, para fazer da maneira como ele pretende, de forma acelerada e para dar respaldo jurídico para as decisões que ele quer tomar.”
Meta fiscal
Questionado se o plano de contingência desenhado pelo governo será custeado com recursos fora da meta fiscal, o ministro disse que essa “não é nossa demanda inicial”.
“Nossa proposta, que está sendo encaminhada, não vai exigir isso – embora tenha havido, da parte do Tribunal de Contas da União, a compreensão de que [poderia ser feito] se fosse necessário. Mas não é nossa demanda inicial. Entendemos que conseguimos operar dentro do marco fiscal sem nenhum tipo de alteração.”
Política
Câmara declara perda de mandato a 7 deputados e dá posse a substitutos

A Câmara dos Deputados declarou a perda de mandato de sete deputados federais. A medida atende decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que alterou a interpretação da regra sobre a distribuição das chamadas sobras eleitorais nas eleições proporcionais.
A Mesa Diretora da Casa publicou ato na quarta-feira (30) confirmando a perda das vagas. Na mesma publicação, o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), convocou os novos deputados, já diplomados, para a posse como titular.
Perderam mandatos deputados federais do Amapá, Distrito Federal, de Rondônia e do Tocantins. São eles: Gilvan Máximo (Republicanos-DF); Augusto Puppio (MDB-AP); Lebrão (União-RO); Lázaro Botelho (PP-TO); Professora Goreth (PDT-AP); Silvia Waiãpi (PL-AP) e Sonize Barbosa (PL-AP).
Foram convocados para tomar posse: Professora Marcivânia (PcdoB-AP); Paulo Lemos (PSOL-AP); André Abdon (Progressistas-AP); Aline Gurgel (Republicanos-AP); Rodrigo Rollemberg (PSB-DF); Rafael Bento (Podemos-RO) e Tiago Dimas (Podemos-TO).
Sobras eleitorais
Pelas regras eleitorais, inicialmente só podem disputar cadeiras na Câmara partidos que alcançarem pelo menos 80% do quociente eleitoral. Além disso, o candidato precisa obter, individualmente, votos que correspondam a, no mínimo, 10%, desse quociente.
As “sobras” das cadeiras são divididas em uma segunda rodada, na qual, além de o partido precisar alcançar os 80% do quociente eleitoral, o candidato deve obter 20% desse quociente. O aumento no percentual fez surgir uma terceira rodada para preencher as vagas restantes.
Pela interpretação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na terceira distribuição, as vagas remanescentes caberiam apenas aos partidos que obtiveram 80% do quociente eleitoral, entendimento que foi derrubado pelo STF, que entendeu que todos os partidos que concorreram ao pleito poderiam disputar as cadeiras restantes.
A decisão alterou a distribuição de vagas entre os partidos e, consequentemente, a relação de eleitos. Além disso, a decisão da corte afeta também a composição das assembleias legislativas.
*Com informações da Agência Câmara