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Internacional

Ativistas preparam “missão maior” à Faixa de Gaza, diz Thiago Ávila

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© Paulo Pinto/Agência Brasil

Integrante da Flotilha da Liberdade, que levava ajuda humanitária à Faixa de Gaza quando foi interceptada pelas forças de segurança israelenses há cerca de uma semana, o brasileiro Thiago Ávila informou que o grupo de ativistas prepara uma nova missão para assistência aos palestinos da região.  

“Vamos continuar tentando romper o cerco ilegal de Israel sobre Gaza, levar alimentos e medicamentos e abrir um corredor humanitário dos povos. Para nós, enquanto tiver crianças morrendo de fome em Gaza, essa é a missão fundamental. Já temos um novo barco chamado Handala, ele está quase pronto para ir”, disse o ativista em entrevista exclusiva à Agência Brasil.

“Estamos tentando arrumar novos barcos para uma missão maior desta vez. Queremos que seja sempre assim: se Israel atacar uma missão nossa, que saiba que a próxima missão será maior. E que eles entendam que a violência não vai nos parar”, completou.

Na entrevista, ele falou sobre a truculência das forças israelenses desde a interceptação do barco em águas internacionais até o que classificou de sequestro dos 12 ativistas estrangeiros que estavam a bordo. Ele denunciou ainda situações de violência e abuso de poder às quais a população da Faixa de Gaza é submetida de forma constante.

“Tudo o que a gente queria era não ser assassinado naquele momento. Nos mantiveram por mais de 20 horas sequestrados dentro do nosso próprio navio, eles estavam fortemente armados”, contou.

A embarcação, que foi interceptada em 9 de junho, partiu da Itália levando alimentos e medicamentos, com o objetivo de furar um bloqueio imposto por Israel ao território palestino, que há mais de três meses impõe fome a quase 2 milhões de pessoas. Thiago chegou ao Brasil na manhã da última sexta-feira (13) e foi recebido por familiares e apoiadores no Aeroporto Internacional de São Paulo, após sua prisão em Israel.

Segundo os relatos, alguns ativistas, incluindo o brasileiro, foram mantidos em um ambiente com ratos, baratas e percevejos, além de receberem uma água turva e com mau odor para beber. Até a unidade prisional, foram levados em veículos com vidros cobertos e no escuro. “As pessoas estavam amontoadas, não tinham acesso a banheiro, uma delas urinou no veículo. Foi um processo degradante de transporte, com constantes ameaças e violência psicológica”, lembrou Thiago.

“Era noite. Tinha apenas alguns buraquinhos de falha na tinta da janela que ficava atrás de nós. Então dava para perceber que tinha alguma luz ou um soldado se aproximando, por exemplo, mas a gente não conseguia ver detalhes a ponto de se localizar”, contou. Em protesto contra a detenção, que denunciou ser um sequestro, Thiago ficou em greve de fome. Como punição, foi levado a uma cela solitária, além de sofrer ameaças de que não voltaria ao Brasil nem sairia dali caso não interrompesse a greve.

Ele avalia que a missão da Flotilha da Liberdade ajudou a dar visibilidade às prisões ilegais e torturas cometidas contra os palestinos, a quem classificou de reféns. Segundo a Associação de Apoio a Prisioneiros e Direitos Humanos (Addameer), atualmente Israel mantém 10,4 mil prisioneiros palestinos.

No mês de março deste ano, o brasileiro-palestino Walid Khaled Abdallah, de 17 anos, morreu em uma prisão israelense após maus-tratos. Segundo informações da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), a morte foi causada por fome e desidratação prolongadas, além da falta de cuidados médicos. A Fepal relatou que a prisão onde o jovem estava é conhecida pelo uso de tortura com choques elétricos, espancamentos e privação de comida.

O Monitor Euro-Med de Direitos Humanos, organização independente baseada na Suíça, reconheceu a tortura sistemática e as atrocidades sofridas pelos palestinos nas prisões israelenses. Diante disso, a entidade avalia que há flagrante violação das normas imperativas do direito internacional. “Essa política faz parte do crime de genocídio de Israel, que visa destruir o povo palestino na Faixa de Gaza, total ou parcialmente, enfraquecendo os fundamentos de sua sobrevivência e levando-o à submissão ou à extinção”, divulgou a organização em nota.

A prisão de Thiago Ávila é tratada como crime de guerra pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) do Brasil, que pediu ao governo brasileiro a suspensão das relações diplomáticas e comerciais com Tel Aviv. O Itamaraty considerou que houve violação do direito internacional e pediu, na ocasião, a libertação do ativista.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

Agência Brasil: Quais as ilegalidades cometidas por Israel contra os ativistas que estavam na embarcação da Flotilha da Liberdade?
Thiago Ávila: A maior violação que aconteceu, neste momento do sequestro, foi pelo fato de nós estarmos a mais de 100 milhas náuticas de Gaza, portanto em águas internacionais. Israel não tem jurisdição para interceptar qualquer embarcação em águas internacionais. Mesmo que a gente já estivesse em Gaza, também não teria jurisdição porque é o território marítimo palestino. Houve também uma violação das decisões liminares da Corte Internacional de Justiça [CIJ], no processo que a África do Sul abriu contra Israel pelo crime de genocídio, que proibiam Israel ou qualquer outro país de deter ajuda humanitária que tentasse chegar a Gaza. Ao interceptar nossa missão, Israel não apenas violou acordos internacionais de legislação marítima e de navegação, como também uma decisão da CIJ, a maior instância jurídica do mundo, do sistema das Nações Unidas.

Uma missão humanitária – carregando alimentos, medicamentos, próteses para crianças amputadas, muletas, filtros de água –, não violenta no seu princípio e na sua forma de agir ao longo de toda missão, foi atacada violentamente por Israel. Primeiro por drones, em um processo de guerra cibernética, que interceptou o sistema de navegação e interceptou parcialmente nossa comunicação com o mundo exterior. Depois os drones começaram a jogar elementos químicos sobre nós, tintas e um pó preto que até hoje a gente não conseguiu identificar. Depois a abordagem violenta e a chegada para tomada do nosso barco, o sequestro em águas internacionais.

Nos mantiveram por mais de 20 horas sequestrados dentro do nosso próprio navio, sendo levados para um destino diferente de onde iríamos: o Porto de Ashdod em Israel. Nossos pertences, equipamentos eletrônicos e o próprio barco foram todos tomados por eles, sem nenhuma explicação, sem direito de defesa. Coagiram as pessoas a assinar um documento onde elas confessavam a culpa pelo crime de entrar ilegalmente em Israel, sendo que nunca foi nosso objetivo entrar em Israel. Segundo os advogados de direitos humanos que nos acompanhavam, aquilo foi tanto uma interceptação ilegal, um crime de guerra, como uma prisão ilegal e uma deportação ilegal também. Então que era o nosso direito não assinar uma uma assunção de culpa sobre aquilo. A gente manteve a decisão de não assinar, exceto quatro pessoas que a gente avaliou que era importante que saíssem primeiro para contar a história ao mundo.

 

Agência Brasil: No momento da interceptação, quando as forças de Israel entraram na embarcação, como vocês se sentiram e como reagiram?
Thiago Ávila: A tomada do barco foi um momento de tensão, porque numa situação assim, 15 anos atrás, eles assassinaram dez dos nossos participantes. Eu treinei aquelas pessoas em relação à melhor chance que a gente teria de sair vivo de uma situação de interceptação. Dentro do barco, eu era o responsável por garantir que as pessoas tomassem todas as medidas emergenciais em caso de ataque e de manter todo mundo nesse foco de que não importa o tamanho da crueldade da violência que eles usem, a gente vai se manter com uma missão não violenta. E a gente conseguiu fazer isso com sucesso.

Eles [forças israelenses] são muito violentos. Como a gente desescala uma situação assim, como não fazer nenhum movimento brusco, como não tentar impedir a tomada deles do barco? Nós éramos um barco humanitário de 12 pessoas. Aquela força, a S13 [Shayetet 13] das forças especiais de Israel, é uma unidade que estava ali com pelo menos 80 soldados fortemente armados, com equipe de apoio e equipamento militar. Não tinha [possibilidade de] vitória militar para a gente, nem era a nossa intenção. Tudo o que a gente queria era não ser assassinado naquele momento.

Eles aproveitaram essa oportunidade para filmar e dizer que estavam sendo cordiais com a gente. Quando estavam gravando, eles de fato falavam palavras cordiais. Na hora em que entregavam água e comida, filmavam para parecer que estavam cuidando daquelas pessoas, que na verdade estavam sendo sequestradas. Mas, logo atrás de quem estava filmando, estavam os fuzis. Era uma manobra publicitária que pode enganar quem vê as imagens, mas quem estava vivendo a situação sabe muito bem o que é a coerção de um sequestro por uma unidade de forças especiais que é reconhecida por crime de guerra.

Agência Brasil: Como foi o período em que você estava detido, como era tratado nas dependências da prisão?
Thiago Ávila: Na unidade prisional de Ayalon, onde eu estava na solitária, era uma equipe mais violenta, eles me jogavam na parede e falavam: ‘Bem-vindo a Israel’, quando eu cheguei. Eles usavam algemas nas mãos e nos pés e fechavam o máximo para travar a minha circulação propositalmente. A condução dentro da unidade prisional era aos empurrões e pontapés. Mas isso é pouco perto do que o povo palestino passa nas prisões. Tem mais de 10 mil presos palestinos na região da Palestina histórica ocupada, entre eles mais de 400 crianças, muitos deles passando por torturas e violências terríveis.

A água era imprópria para o consumo, as camas e o ambiente das celas estavam infestados de insetos e percevejos, que deixam marca nos corpos das pessoas, policiais e agentes carcerários a todo instante entravam para privar as pessoas de sono e para que não conseguissem descansar. Batiam portas, faziam muito barulho, tentavam intimidar e praticar violência psicológica para que as pessoas entrassem em crise naquele processo, diziam que a gente ia ficar por semanas lá, diziam que a gente não ia sair mais. Foi uma sensação horrível estar naquela situação.

Agência Brasil: O que você fazia durante o tempo na cela solitária?
Thiago Ávila: O tempo passa diferente em um confinamento total. Eu cantava, eu assoviava e conversava com as pessoas que estavam no corredor. Eu estava na cela oito, tinha outras sete celas ao meu lado, naquele corredor escuro em que eu ficava ouvindo gritos e barulhos de agressões, não conseguia identificar exatamente o que que era. Duas daquelas sete pessoas falavam inglês e as demais falavam árabe. Comecei a conversar com elas gradativamente, e as pessoas ficaram encantadas com a história da viagem e com a missão. No meio daquele ambiente horrível, a gente vê que tem vida. E que o povo palestino é essa fonte de vida.

Teve um que perguntou de que cidade eu era, eu falei que era de Brasília e eu perguntei ‘e você?’. Ele falou: ‘Sou da Etiópia’. Eu perguntei: ‘Mas você é de qual cidade? De Adis Abeba?’. E ele ficou superfeliz, ele falou: ‘Ninguém sabe a capital do meu país’. Eu falei que admirava muito o país dele, porque a história da Etiópia é linda no sentido da resistência contra o colonialismo, contra a opressão. Os agentes carcerários dessa unidade prisional da solitária eram muito violentos, mas teve um jovem negro que, depois que teve essa conversa sobre a Etiópia, ele foi na minha cela falando baixo e me agradecendo. Falou ‘a minha família também veio da Etiópia, eu sou judeu sefardita e sofro muita opressão e preconceito aqui em Israel, sou tratado como um sujeito de segunda categoria aqui, mesmo sendo judeu’.

Agência Brasil: Fora da mídia e das redes sociais, há milhares de prisões de palestinos, como você comentou. Como a missão pode ajudar em relação à situação de palestinos presos injustamente em Israel?
Thiago Ávila: Nesse ponto, a missão foi bem-sucedida por trazer consciência às pessoas sobre violações que o povo palestino sofre, essa situação dos presos políticos palestinos é muito importante. O que a gente passou é uma pequena fração do risco, do dano, das violações que o povo palestino passa. O povo palestino denuncia há décadas que Israel pratica violações de direitos humanos diversas com as pessoas nas cadeias, existem centros de tortura com violência sexual, com assassinatos extrajudiciais. É um estado colonial que se estruturou em um [regime de] apartheid, que utiliza leis ditatoriais, de segregação, onde jovens palestinos são julgados por cortes militares e crianças com menos de 14 anos podem sofrer detenções administrativas sem direito à defesa, sem ter sequer uma acusação formal.

Esse estado comete uma série de violações e uma missão como essa joga luz a essa realidade. Infelizmente, é uma realidade de praticamente qualquer família palestina já ter tido alguém encarcerado ou em prisão administrativa ou julgado por cortes militares e condenado. É um povo que vive sob uma terrível e cruel ditadura que ainda se fantasia de uma democracia naquela região. Ali é um exército de ocupação que se trata enquanto estado, mas utiliza as mesmas regras de qualquer exército de ocupação no mundo em processo de saque e pilhagem colonial, de genocídio e limpeza étnica. O povo palestino, infelizmente, enfrenta isso com o seu próprio corpo, com a sua resistência. Muitos palestinos fazem greve de fome, tentam denunciar ao mundo, mas têm pouco alcance, poucos ouvidos dispostos a ouvir.

 

Agência Brasil: Você denunciaram que a Flotilha da Liberdade sofreu um sequestro e eram reféns de Israel. Você avalia que esses presos da Palestina também podem ser considerados reféns?
Thiago Ávila: Sem dúvida nenhuma, a gente trata como reféns e avalia que o que acontece na Palestina é um genocídio, não é propriamente uma guerra. Israel não apenas nega o mais básico das relações militares, como executa essas pessoas nas prisões e nega o acesso das famílias aos seus corpos. Eles negam qualquer tipo de acesso a essas pessoas. Então, sim, a gente trata como reféns e a gente trata como pessoas que têm todo o seu direito à dignidade violado e que merecem ser retiradas daquela situação.

Para nós, todo sujeito, povo originário de um país, que está dentro de um cárcere de uma força colonial é um preso político. Porque a colonização é um crime político, sobretudo. É uma decisão de um império ou de uma entidade colonial de se achar superior a um outro povo e tentar dominar aquele povo. O povo palestino, como um todo, sofre há oito décadas um genocídio e uma limpeza étnica, são 18 anos de um bloqueio ilegal sobre Gaza e um ano e nove meses de um genocídio que escalou violações inimagináveis, em que crianças estão sendo mortas de fome todos os dias, em que hospitais, escolas, abrigos, bairros residenciais inteiros estão sendo varridos do mapa, sendo explodidos.

Agência Brasil: Gostaria que você contasse um pouco sobre sua motivação em partir nessa missão humanitária e da sua história em relação à Palestina.
Thiago Ávila: Eu tenho 38 anos, dos quais 20 eu dedico ao ativismo. Eu acompanho a causa Palestina há 20 anos e tento ser um bom aliado, levar informação, colaborar em mobilizações, fazer articulações entre pessoas para que mais gente se una a essa causa. Eu já estive em todos os países da região, já tentei entrar em Gaza por todas as regiões, já estive na Palestina histórica ocupada em 2019. Vi de perto que é o estado colonial de apartheid, vi a violência na Cisjordânia ocupada, vi a violência nos territórios ocupados em 1948, as vilas apagadas do mapa, onde só tem as ruínas hoje. Eu vi as marcas de fuzis, eu vi a narrativa e a educação colonial que tenta desumanizar o povo palestino, apagar a história deles do mapa.

Eu me tornei coordenador da Flotilha por acreditar que é uma das ações mais bonitas e inspiradoras que eu já vi na vida. Lembra o processo de independência da Índia, onde táticas não violentas são usadas contra uma força opressora terrível e, mesmo assim, são bem-sucedidas. Mesmo quando não alcançam o objetivo exatamente, elas mobilizam um setor totalmente novo da sociedade, que nunca pensou que estaria se movimentando politicamente e se movimentando em solidariedade a um povo. A Flotilha fez exatamente isso: pessoas do mundo inteiro que nunca pensaram que iriam para a rua num protesto, simplesmente não aguentam mais ver crianças sendo mortas de fome, hospitais, escolas e abrigos sendo bombardeados, crianças sendo queimadas vivas, decapitadas por bombas. A Flotilha foi um um chamariz para as pessoas verem que tem saída, tem solução, se a gente se unir. Foi assim que o apartheid da África do Sul foi derrotado também.

Eu decidi ser parte da Flotilha, como um aliado da causa palestina, por entender que o destino do povo palestino muito provavelmente vai ser o destino de toda humanidade. Nós, que estamos no Sul global, no Brasil, também somos alvo da ganância de quem quer tomar a terra e os bens comuns da natureza. O Brasil tem um sétimo da água potável disponível em forma líquida do mundo. O Brasil tem a maior floresta do mundo, o maior rio do mundo. A gente tem tanta riqueza sob o nosso solo e na nossa biodiversidade que já é alvo do imperialismo de diversas maneiras. A gente precisa esperar o genocídio acontecer aqui para a gente agir?

Agência Brasil: Vocês pretendem fazer novas missões humanitárias com destino à Faixa de Gaza?
Thiago Ávila: A Flotilha tem o lema “Quando os governos falham, nós navegamos”, e nós navegaremos enquanto a Palestina não for livre. Sim, temos uma nova missão, vamos continuar tentando romper o cerco ilegal de Israel sobre Gaza, levar alimentos e medicamentos e abrir um corredor humanitário dos povos. Para nós, enquanto tiver crianças morrendo de fome em Gaza, essa é a missão fundamental. Já temos um novo barco chamado Handala, ele está quase pronto para ir.

Estamos tentando arrumar novos barcos para uma missão maior dessa vez. Queremos que seja sempre assim: se Israel atacar uma missão nossa, que saiba que a próxima missão será maior. E que eles entendam que a violência não vai nos parar.

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Internacional

Estados Unidos não desejam negociar tarifas, afirma Celso Amorim

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© Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

O assessor para assuntos internacionais do presidente da República, embaixador Celso Amorim, afirmou que o governo dos Estados Unidos não tem demonstrado disposição para negociar as supostas divergências comerciais apontadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

“Eles não têm o desejo de negociar”, disse Amorim ao participar, nesta quarta-feira (20), de uma audiência pública realizada pela Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados.

Para Amorim, ao impor sobretaxas a mais de uma centena de países, o governo dos Estados Unidos colocou em xeque o sistema multilateral de comércio, desenvolvido após a Segunda Guerra Mundial (1939/1945), por meio de sucessivos acordos que, pouco a pouco, estabeleceram regras globais de comércio.

“Estamos tendo esta disputa comercial com os Estados Unidos – que no caso do Brasil tem características específicas – mas, mais importante que isso, é que o que está sendo posto em xeque é o sistema multilateral de comércio”, comentou Amorim ao sustentar que o mundo enfrenta um “momento de profundas mudanças da ordem internacional”.

“Desde que entrei no Itamaraty, sempre [ouvimos sobre] o papel importante do Gatt e, depois, da OMC”, acrescentou o embaixador, referindo-se ao Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt) e à Organização Mundial do Comércio (OMC), criada em 1995, para substituir o acordo.

“Sempre ouvimos [falar sobre] a necessidade de termos regras multilaterais. Porque, na medida em que um país muito forte coloca tarifas unilateralmente, desnorteia todo o comércio [global]”, ponderou o embaixador, para quem, “como cidadãos do mundo, temos que defender o sistema multilateral” de comércio.

Amorim também criticou a postura do governo estadunidense, principalmente em relação ao Brasil, prejudicado por questões político-ideológicas, segundo o embaixador. “Não podemos dizer que o comércio internacional é a lei do mais forte”, reafirmou 

“É importante [compreender] que isso não é uma questão de briga entre Brasil e EUA. O caso do Brasil é singular. Que eu saiba, [somos] o único [país sobretaxado pelo governo Trump] em que se misturou abertamente a questão comercial com a política”, lembrou Amorim, citando o texto da Ordem Executiva de 30 de julho, no qual o governo estadunidense afirma que o aumento do valor das tarifas de importação cobradas dos produtos brasileiros é uma resposta, entre outras coisas, ao fato do ex-presidente Jair Bolsonaro responder a processos judiciais no Supremo Tribunal Federal (STF).

Amorim lembrou que, antes mesmo de publicar a Ordem Executiva, o presidente Donald Trump já tinha tornado público o teor de uma mensagem crítica enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O documento, segundo ele, foi divulgado antes mesmo de Lula recebê-lo. “Nunca vi este nível de desrespeito e intromissão”, mencionou. 

“Nos meus mais de 60 anos de carreira [diplomática], jamais vi uma carta como a que o presidente Trump mandou para o presidente Lula. Uma carta que foge totalmente às práticas diplomáticas. Primeiro porque foi postada [simultaneamente] com seu envio [a Lula]. Ou seja, ela se tornou pública antes do presidente Lula recebê-la. E o mais curioso é que, diferentemente da situação com outros países, nos quais a questão tarifária ficou limitada à parte comercial, a carta [ao presidente brasileiro] começa com dois parágrafos sobre política interna brasileira”, enfatizou Amorim, reafirmando a disposição do governo brasileiro ao diálogo.

“Não queremos romper com os EUA. Não tomamos nenhuma ação hostil […] Sempre procuramos negociar. Inclusive, o ministro da Fazenda [Fernando Haddad] marcou uma conversa por telefone com o secretário de Tesouro dos EUA [Scott Bessent], mas esta foi cancelada  por uma interferência externa”, finalizou Amorim.

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Ameaça dos EUA contra Venezuela traz tensões à América Latina

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© US Navy/Divulgação

As ameaças dos Estados Unidos de que poderiam usar militares contra a Venezuela trouxeram tensões adicionais ao continente latino-americano e caribenho devido ao risco de uma intervenção direta de uma potência estrangeira no continente, o que não ocorre desde a invasão do Panamá pelos EUA, em 1989.

A possibilidade de intervenção foi criticada por representantes dos governos do México, da Colômbia e do Brasil. O presidente Nicolás Maduro afirmou que a Venezuela tem condições de se defender e destacou que uma intervenção no país teria repercussões continentais.

O assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, embaixador Celso Amorim, disse em comissão da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (20) que vê com preocupação o deslocamento de barcos norte-americanos para a costa venezuelana.

“A não intervenção é fundamental, um princípio basilar da política externa brasileira. Uma coisa histórica. Até durante o período de governo militar, o Brasil nunca aceitou a ideia de intervenções externas. E nos preocupa muito a presença de barcos de guerra muito próximos à costa venezuelana, sobretudo com [as recentes] declarações”, disse, ponderando que o crime organizado deve sim ser combatido, “mas com a cooperação dos países, e não com intervenções unilaterais”.

Nos últimos dias, agências internacionais como a Reuters e a CNN informaram, com base em fontes não identificadas do Pentágono, que a Casa Branca enviaria 4 mil militares em três porta-aviões de guerra para a costa venezuelana sob o argumento de combater o narcotráfico. 

“Uma das autoridades enfatizou que o aumento de tropas é, por enquanto, principalmente uma demonstração de força, visando mais enviar uma mensagem do que indicar qualquer intenção de realizar ataques precisos contra cartéis. Mas também oferece aos comandantes militares dos EUA – e ao presidente – uma ampla gama de opções caso Trump ordene uma ação militar”, informou a CNN dos Estados Unidos. 

O historiador e pesquisador de conflitos armados e de geopolítica delegado Rodolfo Queiroz Laterza teme que uma ação pontual dos EUA contra a Venezuela possa prejudicar a estabilidade política de toda América Latina e Caribe.   

“Para piorar, temos no continente, principalmente no Brasil, uma forte polarização política, que acaba sendo instrumentalizada para fins geopolíticos, na qual um segmento vai aplaudir essa pressão sobre a Venezuela e o outro segmento vai condenar. E isso é um caldo de cultura perfeito para que haja justamente um cenário de instabilidade geopolítica”, avaliou o especialista.

Casa Branca

Apesar do deslocamento de militares para a costa venezuelana ainda não ter sido confirmada oficialmente por Washington, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse à imprensa, nesta terça-feira (19), que Trump está preparado “para usar todo o poder americano” contra a entrada de drogas no país.

“O regime de Maduro não é o governo legítimo da Venezuela. É um cartel de narcoterrorismo. E Maduro, na visão deste governo, não é um presidente legítimo. Ele é um chefe fugitivo desse cartel que foi indiciado nos Estados Unidos por tráfico de drogas para o país”, comentou, ao ser questionada sobre o envio de militares à costa venezuelana.

No dia 8 de agosto, o jornal americano The New York Times publicou matéria informando, com base em fontes não identificadas, que o presidente Donald Trump autorizou o Pentágono a realizar operações militares em países latino-americanos para “combater o narcotráfico”. 

A notícia tem sido interpretada como autorização para interferências diretas dos Estados Unidos na América Latina.  

Também no início deste mês, o governo dos EUA aumentou de US$ 25 milhões para US$ 50 milhões o valor da recompensa por informações que levem à captura do presidente Nicolás Maduro, acusado pela Casa Branca de liderar o suposto grupo narcotraficante Cartel de los Soles.  

Estudiosos têm apontado dúvidas sobre a importância da Venezuela no mercado global de drogas. Um estudo do Escritório de Washington para a América Latina (Wola), que reúne especialistas em América Latina nos EUA, ponderou, ainda em 2020, que apenas 7% da cocaína que segue para o país norte-americano passa pelo mar da Venezuela.

“Cerca de 90% de toda a cocaína com destino aos EUA é traficada pelas rotas do Caribe Ocidental e do Pacífico Oriental, e não pelos mares do Caribe Oriental da Venezuela”, diz o documento elaborado com base em dados oficiais dos EUA.

Venezuela

A Venezuela nega a existência do Cartel de los Soles e diz que a acusação é apenas um pretexto para intervir no país. O governo Maduro tem informado que pode resistir a qualquer tentativa de invasão e classificou as ameaças de “bizarras e absurdas de um império em declínio”.

“Defendemos nossos mares, nossos céus e nossas terras. Nenhum império tocará o solo sagrado da Venezuela ou da América do Sul. Nunca mais pisarão com seus passos insolentes na terra de Bolívar”, afirmou o presidente venezuelano.

Maduro acrescentou que convocará até 4,5 milhões de milicianos para proteger a nação em parceria com as Forças Armadas. Os milicianos são grupos civis leais ao governo da Venezuela que recebem armas e treinamento militar.

Em comunicado publicado nesta terça-feira, a administração Maduro destacou que acusar o país de narcotráfico revela a falta de credibilidade do país norte-americano.

“Essas ameaças não afetam apenas à Venezuela, mas também põem em risco a paz e a estabilidade de toda a região, incluindo a Zona de Paz declarada pela Celac [Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos], espaço que promove a soberania e a cooperação entre os povos latino americanos”, diz a chancelaria de Caracas. 

Apesar das Forças Armadas da Venezuela terem equipamentos relativamente bons para as condições socioeconômicas do país, elas não seriam capazes de dissuadir uma invasão ou ataque dos Estados Unidos, na avaliação do especialista Rodolfo Queiroz Laterza.

“São forças destinadas a uma defesa nacional bastante limitada. Portanto, a capacidade de dissuasão das forças armadas latino-americanas é pífia perante os Estados Unidos. Inclusive, isso se aplica ao Brasil, a qual uma ala das Forças Armadas ainda quer dependência estrutural em relação aos Estados Unidos, o que é um erro”, acrescentou Laterza.

Colômbia e México

As ameaças dos EUA à Venezuela também foram repudiadas pela presidente do México, Claudia Sheinbaum, que declarou que os países da região podem colaborar no combate ao narcotráfico, mas não podem aceitar intervenções externas que violem a soberania nacional. 

Essa situação serviu ainda aproximar Caracas de Bogotá após os atritos entre o presidente colombiano Gustavo Petro e Nicolás Maduro, causados pelas acusações de fraude eleitoral e perseguição política na Venezuela.

“Os americanos estão perdidos se acham que invadir a Venezuela resolverá seus problemas e, com isso, arrastam a Venezuela para a situação similar à Síria, com o problema adicional de arrastar a Colômbia junto”, disse Petro em uma reunião de gabinete transmitida para todo o país.

* Colaborou Alex Rodrigues

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Internacional

Lula e Macron se comprometem a mais diálogo para acordo Mercosul-UE

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© Ricardo Stuckert/PR

Em meio à imposição de tarifas comerciais pelo Estados Unidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da França, Emmanuel Macron, se comprometeram, nesta quarta-feira (20), com a conclusão das negociações para a assinatura do acordo entre Mercosul e União Europeia. Negociado há mais de 20 anos, o acordo ainda encontra resistências, especialmente da França, para entrar em vigor.

Enquanto o líder francês afirma que o acordo não leva em consideração exigências ambientais na produção agrícola e industrial, Lula rebate afirmando que a França é protecionista sobre seus interesses agrícolas. Neste semestre, o Brasil está na presidência do Mercosul e tem por objetivo finalizar o acordo com os europeus.

A sinalização do francês vai ao encontro dos interesses do Brasil na diversificação de parcerias e a ampliação de acordos que fortaleçam os países do Sul Global. 

“Macron e Lula comprometeram-se a ultimar o diálogo com vistas à assinatura do acordo Mercosul-União Europeia ainda neste semestre, durante a presidência brasileira do bloco”, disse o Palácio do Planalto em nota após o telefonema entre os dois líderes.

“O Brasil continuará trabalhando para concluir novos acordos comerciais e abrir mercados para a produção nacional”, acrescenta a nota.

O presidente brasileiro telefonou para Macron na manhã desta quarta-feira e, na ligação, que durou quase 1 hora, os dois líderes trataram de temas das agendas global e bilateral. 

“Reafirmaram seu apoio ao multilateralismo e ao livre comércio”, disse o Palácio do Planalto, acrescentando que também “reafirmaram a intenção de promover maior cooperação entre os países desenvolvidos e o Sul Global, em favor do comércio baseado em regras multilateralmente acordadas”.

Acordos

O Mercosul também fechou acordo com a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta), formado por Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça, e tem negociado com novos parceiros, como Japão, Vietnã e Indonésia.

Nesse contexto, o presidente Lula também está articulando uma cúpula virtual do Brics, para setembro. 

Especialistas consultados pela Agência Brasil avaliam que a medida dos Estados Unidos também é uma chantagem política com objetivo de atingir o Brics, grupo de potências emergentes que tem sido encarado por Washington como uma ameaça à hegemonia estadunidense no mundo, em especial, devido à proposta de substituir o dólar nas trocas comerciais.

Em 6 de agosto, Trump elevou a tarifa de importações de alguns produtos para 50% contra o Brasil em retaliação a decisões que, segundo o presidente norte-americano, prejudicariam as big techs estadunidenses e em resposta ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado após perder as eleições de 2022.

Na conversa com Macron nesta quarta-feira, o presidente Lula repudiou o uso político de tarifas comerciais contra o Brasil e relatou ao francês as medidas que o governo adotou para proteger os trabalhadores e as empresas brasileiras e informou sobre o recurso que o Brasil apresentou à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra as “injustificadas tarifas norte-americanas”.

COP30

O presidente Emmanuel Macron confirmou sua participação na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), organizada pelo governo brasileiro, em Belém, no Pará, em novembro.

Para Lula, esta será a “COP da verdade, em que ficará claro quais países acreditam na ciência” para o enfrentamento à mudança do clima. 

“O presidente Lula destacou a ambição das metas nacionalmente determinadas apresentadas pelo Brasil e realçou a importância de que a União Europeia e seus membros apresentem metas à altura do desafio que o planeta enfrenta”, informou o Palácio do Planalto.

Os dois mandatários também trocaram impressões sobre as negociações de paz entre Rússia e Ucrânia, no conflito que dura mais de 3 anos. Nesta semana, Macron esteve na Casa Branca acompanhando o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskiy em encontro com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que tem pressionado por uma solução para a guerra.

No telefonema, o presidente francês elogiou o papel do Grupo de Amigos da Paz, iniciativa liderada por Brasil e China em busca de estabelecer entendimentos comuns para apoiar os esforços globais para alcançar a paz, entre eles, o conflito entre Rússia e Ucrânia.

“Os dois presidentes acordaram continuar o diálogo sobre o conflito”, diz a nota do Planalto.

“O presidente Lula demonstrou preocupação com o aumento dos gastos militares no mundo, enquanto cerca de 700 milhões de pessoas ainda passam fome. Registrou, nesse contexto, a saída do Brasil do Mapa da Fome da FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura] e defendeu a reforma das instituições multilaterais em favor de uma governança global mais representativa e democrática”, completou.

No campo bilateral, Lula e Macron comprometeram-se a aprofundar a cooperação na área de defesa, setor que os dois países já desenvolvem projetos como a construção de helicópteros, submarinos e satélites.

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