Saúde
Justiça concede pensão a filha de ex-interna de colônia de hanseníase

Quando Claudia Leite Pinto nasceu, em 1983, a hanseníase já tinha cura. Ainda assim, ela foi afastada da mãe, que vivia no Hospital Colônia Tavares de Macedo, em Itaboraí, no Rio de Janeiro, e só voltou a vê-la quando tinha 5 anos.
Isso era o que determinava a lei brasileira para todos os bebês nascidos nos antigos “leprosários”: que fossem afastados imediatamente após o parto e entregues a familiares que viviam do lado de fora, ou levados para educandários.
“Não tinha nem como a gente fazer visita pra ela, e ela também não podia sair pra nos visitar. Até porque seria discriminada do lado de fora por causa da doença”, Cláudia se recorda. Sem a mãe, ela foi criada por um tio, até que a entrada de crianças na colônia foi autorizada, e ela conseguiu voltar para o convívio da mãe, junto com sua irmã Cleide, um ano mais nova.
Cláudia é a primeira “filha separada” do Rio de Janeiro a conquistar na Justiça o direito a uma pensão vitalícia instituída por uma lei estadual em 2022, como forma de reparação pela separação traumática. Apesar de ter sido aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador Cláudio Castro, o executivo ainda não regulamentou o benefício, e tem argumentado na Justiça que a lei é inconstitucional.
Mas, no dia 25 de fevereiro, a Segunda Câmara Recursal Fazendária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decidiu em favor de Cláudia. De acordo com a magistrada Luciana Santos Teixeira, que foi relatora do caso, “inexiste qualquer lacuna no diploma legal que inviabilize a implementação do direito garantido”, e “restou provado” que Cláudia tem direito à pensão, já que sua mãe “foi submetida a uma injustificada segregação em decorrência da hanseníase”.
A partir de agora, Cláudia terá direito a uma pensão mensal de dois salários mínimos, além das parcelas atrasadas, que por enquanto somam cerca de R$ 34 mil. “Vai me ajudar a comprar a minha casinha, porque eu ainda vivo de aluguel, e minha renda vem do Bolsa Família e de alguns biscates que eu faço”, diz.
História
Hospital Tavares Macedo recebeu pessoas com hanseníase em isolamento compulsório Foto de Arquivo/Tomaz Silva/Agência Brasil
O isolamento dos pacientes com hanseníase teve início, no Brasil, na década de 1920, quando começaram a ser construídas as colônias ou leprosários, em referência ao nome que a doença tinha na época. Por ser uma doença transmissível, que pode causar feridas na pele e, em casos graves, levar ao atrofiamento e à perda de partes do corpo, a hanseníase historicamente é cercada de muito estigma.
Por lei, todas as pessoas diagnosticadas com a doença deveriam ser isoladas compulsoriamente nessas instituições, o que perdurou de maneira irrestrita até 1962, quando o governo instituiu novas normas para combater a hanseníase no país.
Mas o decreto que permitiu a “movimentação” das pessoas com a doença fazia exceção àquelas que não tinham condições “que garantam sua subsistência na forma requerida pelo seu estado de saúde”; não tinham domicílio “que satisfaça os requisitos mínimos de proteção aos demais conviventes”; ou no caso do paciente não acatar as recomendações “que visem a eliminar os riscos da disseminação”.
A mesma lei também ordenava a separação dos bebês nas colônias. Na prática, o isolamento da maioria dos pacientes continuou por duas décadas, até que as colônias foram desativadas.
Uma das provas vivas disso é a mãe de Cláudia, Cleusa Maria Leite, que foi internada no Hospital Colônia Tavares de Macedo, em 1982, sem receber nenhuma explicação. Ela vivia com o irmão e a cunhada em uma casa em Teresópolis, que foi destruída por uma queda de barreira. No local onde estava sendo acolhida, um militar notou uma marca em Cleusa e mandou que ela fosse ao posto de saúde.
“Quando eu cheguei no posto, o médico me falou assim: ‘a senhora não pode ficar junto com as outras pessoas, não’. Aí me transferiram para cá, não me explicaram nada, só me trouxeram pra cá de ambulância. Quando eu cheguei que eu vi o que era”, lembra Cleusa, hoje com 70 anos.
Na colônia, ela conheceu o marido e teve as duas filhas: “Era muito triste, né? Porque eu queria vê-las, ficar com elas e não podia nem pegar no colo”. A única pessoa que podia visitar Cleusa durante os anos de isolamento era um padre de sua antiga comunidade, que repassava a ela informações sobre as meninas e sobre o restante da família.
A filha mais nova de Cleusa, Cleide Leite Pinto, também move uma ação na Justiça para ter direito à pensão estadual. Como tinha apenas quatro anos quando reencontrou a mãe, ela diz que não tem muitas lembranças do período de separação, mas se recorda de sempre perguntar pela mãe. “Meu tio não explicava muito. A gente só sabia que tinha que ficar separada dos nossos pais. Eu sempre perguntava pela minha mãe, pelo meu pai, mas eles não explicavam porque eles não estavam perto de mim”.
O advogado das duas irmãs, Carlos Nicodemos, move dezenas de outras ações iguais e acredita que a vitória de Cláudia cria um precedente importante para os outros filhos separados das duas colônias que existiram no Rio de Janeiro. Ele estima que há entre 600 a 800 pessoas, somando os filhos separados nas duas instituições.
“É uma reparação histórica para aqueles que, em razão da política sanitária do estado, sofreram a maior alienação parental do mundo”, defendeu durante o julgamento.
O pai de Claudia e Cleide morreu sem conhecer as meninas, vítima de um atropelamento dentro da colônia, dois anos antes da presença de crianças no local ser permitida. Cleusa vive na colônia até hoje, com o auxílio da pensão federal paga aos ex-internos desde 2007. Como a maioria dos moradores, que não tinham para onde ir após o fim do isolamento, recebeu autorização para continuar vivendo no local.
Hospital Tavares Macedo ainda hoje é residência para dezenas de pacientes e ex-pacientes. Foto de arquivo/Tomaz Silva/Agência Brasil
Saúde
Cuidado cardiovascular deve fazer parte do acompanhamento do diabetes

O cuidado no acompanhamento de pacientes com diabetes não pode se resumir ao controle da glicose. Membro da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro (Socerj), Bruno Bandeira destaca que as complicações da doença podem estar fortemente ligadas a problemas cardiovasculares, criando quadros desafiadores para a qualidade de vida dos pacientes.
“O que mais preocupa não é só a glicose alta. O diabetes anda de mãos dadas com pressão elevada e com colesterol alto, o que aumenta o risco de infarto, de acidente vascular cerebral (AVC) e insuficiência renal. Diabetes é uma das principais causas de hemodiálise. Muita gente só descobre a doença quando já existe a complicação grave. A doença gera sofrimento, incapacita e sobrecarrega o sistema de saúde. Por isso, a prevenção é tão urgente”, afirma Bandeira.
O cardiologista é um dos editores do manual “Diabetes e Doença Cardiovascular”, que será lançado no 42º Congresso de Cardiologia, que ocorre entre os dias 8 e 9 de maio, no Expo Mag, no centro do Rio de Janeiro. O manual trata, em oito capítulos, de uma visão ampla sobre diagnóstico, estratificação de risco, individualização terapêutica, impacto das comorbidades e estratégias práticas de acompanhamento dos pacientes. O material será disponibilizado no site da Socerj após o lançamento.
“O novo manual surge como uma ferramenta fundamental para o médico que está na linha de frente e para o médico da atenção primária, que é aquele que é o primeiro contato do paciente com o sistema de saúde”, explica o editor, que descreve de que forma essa ajuda se dá: “oferecendo orientações claras sobre como realizar a avaliação clínica, rastrear complicações cardiovasculares — que são algumas das mais graves consequências do diabetes — e escolher o tratamento mais adequado, seja ele farmacológico ou cirúrgico”.
Novos medicamentos
Na visão do cardiologista da Socerj, o advento de novas drogas para o tratamento do diabetes, com impacto comprovado na redução do risco cardiovascular, trouxe perspectivas transformadoras para a abordagem terapêutica integrada. Segundo Bandeira, esses novos medicamentos mudam a lógica do tratamento. O foco deixa de ser apenas o controle da glicose e passa a ser o paciente como um todo, ao tratar o diabetes tentando evitar um possível problema cardíaco.
“As novas drogas para o tratamento do diabetes são uma revolução silenciosa na medicina. Estamos falando de potentes medicamentos chamados de inibidores da SGLT2 (cotransportador de glicose sódica 2), os agonistas do GLP1 (peptídeo semelhante ao glucagon-1) muito importantes hoje na prática médica. Esses remédios ajudam controlar a glicose e, ao mesmo tempo, protegem o coração e os rins. Ou seja, os mecanismos de ação são múltiplos. Hoje, até se fala de redução do risco de Alzheimer”, diz Bandeira.
O médico especialista também cita medicamentos com as substâncias empagliflozina e dapagliflozina que são orais. “A dapagliflozina, hoje, está sendo liberada gratuitamente para pacientes diabéticos acima de 65 anos no SUS. Também temos a semaglutida, que é um medicamento subcutâneo, uma das canetas para emagrecimento, mas que na verdade serve para o controle do diabetes. Em pacientes obesos, reduz também o peso”.
Anvisa aprova a Awiqli, primeira insulina semanal para tratar diabetes 1 e 2. Foto: Awiqli/Divulgação – Awiqli/Divulgação
Desafio de saúde pública
O subcoordenador do Departamento de Diabetes da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), Saulo Cavalcanti, também acredita que o diabetes é um dos maiores desafios da saúde, não só no Brasil, como no mundo.
“Embora a doença seja conhecida desde 1.500 antes de Cristo, ainda hoje uma pessoa morre a cada sete segundos no mundo por complicações causadas pelo diabetes, segundo a Federação Internacional de Diabetes”, disse Cavalcanti.
O endocrinologista acrescenta que a falta de esclarecimento sobre a doença, o custo elevado do tratamento e a baixa aderência dos pacientes dificultam a superação desse desafio.
A prevalência de diabetes no país é de 10,2% da população, representando cerca de 20 milhões de pessoas, de acordo com a pesquisa Vigitel Brasil 2023 ─ Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Esse número representa aumento em comparação a 2021, quando a taxa era de 9,1%. O levantamento mais recente também revela que o diagnóstico da doença é mais comum entre as mulheres (11,1%) do que entre os homens (9,1%)
De acordo com o subcoordenador do Departamento de Diabetes da SBEM, o diabetes tipo 1 responde por 8% dos casos, e o tipo 2, por 90%. “Por estarem assintomáticos, apenas cerca de 45% deles [pacientes do tipo 2] sabem que são diabéticos, e não fazem tratamento. O diabetes causa lesões em vários órgãos como coração, rins, cérebro e olhos. A maioria dos diabéticos chega para o médico em fases avançadas da doença com prognóstico pior. Diabetes não tem cura, tem controle”.
Saúde
Casos de malária no Brasil caem 26% no primeiro trimestre de 2025

O Brasil registrou uma redução de 26,8% nos casos de malária contabilizados entre janeiro e março deste ano, quando foram identificados 25.473 casos da doença, contra 34.807 casos no mesmo período do ano passado. Os dados foram divulgados nesta sexta-feira (25) pelo Ministério da Saúde em razão do Dia Mundial da Malária.
Segundo a pasta, o número de óbitos pela doença no país também apresentou queda, de 27%, no primeiro no período entre 2023 e 2024. Foram contabilizadas 43 mortes no ano passado, frente às 63 registradas no ano anterior..
Dados do ministério apontam ainda a redução no número de casos da doença em três das cinco áreas especiais de vigilância em 2024. Nas áreas de garimpo, houve queda de 27,5%, e, nas de assentamento, de 11%.
“A separação por áreas é uma estratégia de acompanhamento dos casos, uma vez que a malária é uma doença determinada socialmente, ou seja, que afeta mais pessoas em áreas de maior vulnerabilidade social”, informou a pasta.
O levantamento mostra que 99% dos casos da doença estão concentrados na região amazônica, abrangendo os seguintes estados: Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Novas tecnologias
Em evento na Academia Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, reforçou o compromisso brasileiro de eliminar a malária e a importância de novas tecnologias para combater a doença, incluindo o uso ampliado de testes rápidos e a adoção do antimalárico tafenoquina.
“Treinamos quase 3 mil profissionais, tratamos mais de 7 mil pessoas, e a meta é ampliar o acesso em todo o país até 2026”, destacou Padilha.
A tafenoquina é classificada pela pasta como um medicamento inovador de dose única. O fármaco é indicado para a cura da malária causada pelo Plasmodium vivax, parasita responsável por mais de 80% dos casos da doença em 2024.
O tratamento, de acordo com o ministério, reduz os casos graves e a mortalidade por malária e já foi implementado em 49 municípios de seis estados – Amazonas, Roraima, Pará, Rondônia, Amapá e Acre – e em nove Distritos Sanitários Indígenas (DSEi).
A previsão é que, em maio, o medicamento será implantado na região extra-amazônica e, em junho, em duas áreas do Mato Grosso.
Ainda segundo a pasta, uma versão pediátrica da tafenoquina está em processo de incorporação junto ao Sistema Único de Saúde (SUS), com parecer favorável em avaliação inicial feita pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).
“A recomendação inicial vai à consulta pública nos próximos dias e retorna para a análise final da comissão.”
Em relação à vigilância epidemiológica, o ministro chamou atenção para os casos de malária fora da Amazônia. “Embora o número de casos seja menor fora da região amazônica, a letalidade é mais alta. Por isso, vamos implementar um sistema de vigilância específico para os estados com registros fora da Amazônia. É preciso criar alertas e ações direcionadas para esses territórios”.
*Matéria alterada às 13h35 para correção do período de comparação no segundo parágrafo.
Saúde
Falta de diagnóstico é obstáculo para eliminação da malária no Brasil

Um dos grandes entraves para a eliminação da malária é a falta de diagnóstico adequado, alerta o chefe do Laboratório de Pesquisa em Malária da Fundação Oswaldo Cruz, Claudio Tadeu Daniel-Ribeiro. Na última sexta-feira (25), por ocasião do Dia Mundial da Malária, o Ministério da Saúde divulgou que os casos comprovados da doença caíram 26,8% entre janeiro e março deste ano na comparação com o mesmo período do ano passado. Ainda assim, foram 25.473 registros em apenas três meses.
Daniel-Ribeiro compõe o comitê de especialistas que assessora o governo federal nas ações de controle da doença e considera que as metas de reduzir em 90% os novos casos até 2030 e eliminar a transmissão no país até 2035 são factíveis, desde que a vigilância seja fortalecida em todo o Brasil.
“Embora 99% dos casos de malária ocorram na Amazônia, o mosquito transmissor da doença vive em 80% do território nacional. Então, a malária é um problema fora da Amazônia também, porque hoje as pessoas têm grande facilidade para se locomover, inclusive da Amazônia para a área extra-amazônica, ou vindo de outras áreas endêmicas, como a África, pro Brasil”, reforça o imunologista.
A malária é causada por protozoários do gênero plasmodium, transmitidos a partir da picada do mosquito Anopheles, popularmente chamado de mosquito-prego. Um viajante infectado pode demorar até 30 dias para manifestar sintomas e se tornar uma fonte de novas infecções, ao ser picado por fêmeas do mosquito, que vão sugar o protozoário junto com o sangue, e transmiti-lo para outras pessoas.
Além disso, pessoas infectadas pela primeira vez tendem a desenvolver quadros mais graves, com chance maior de morte, por não terem nenhuma imunidade contra a doença. Por isso, Daniel-Ribeiro reforça a importância do diagnóstico adequado:
“É preciso que os médicos fora da Amazônia tenham consciência de que um sujeito com febre, dor de cabeça, sudorese e calafrios, pode ter malária”.
Quase todos os casos registrados no Brasil são causados por duas espécies de Plasmodium, a vivax e a falciparum. A primeira tem maior potencial de infecção, e responde por 80% dos casos, mas a segunda representa maior risco de morte. Antes de eliminar totalmente a transmissão, o Brasil também espera acabar com as infecções pelo Plasmodium falciparum até 2030.
O especialista da Fiocruz explica que a pessoa infectada pelo plasmodium vivax já pode transmitir a doença a partir do primeiro dia, enquanto aquela infectada por falciparum só desenvolverá a forma infecciosa do protozoário após sete dias de contaminação.
“Então, se você tratar rapidamente a malária, você não deixa aquele indivíduo infectar novos mosquitos. Mas se não fizer o diagnóstico rápido e não correr para a região onde ele foi infectado para fazer ações de bloqueio de transmissão, você pode ter um novo surto ou até a reimplantação da malária em um lugar onde ela já foi eliminada”, ele complementa.
Hoje em dia, os serviços de saúde contam com remédios bastante eficazes para tratar a malária e interromper a cadeia de transmissão, além de testes de diagnóstico rápido, que podem ser realizados com apenas uma gota de sangue. Mas, há um grande desafio no horizonte: as mudanças climáticas.
“A gente eliminou muito mais rapidamente a malária na Europa e na América do Norte, também porque o mosquito e o próprio plasmodium tem uma sensibilidade maior ao clima temperado. Então, se você aquecer demais a temperatura, a gente pode ter a reimplatação da malária em áreas onde ela já foi eliminada. E não há dúvida nenhuma que as alterações climáticas podem facilitar o desenvolvimento e o aumento da transmissão em áreas onde a doença ainda existe, porque as condições ambientais vão dificultar o controle do mosquito”