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Música gospel mobiliza periferias e ganha data nacional

Na caixa de isopor que Samuel Silva carregava havia mais do que trufas de chocolate para vender na porta da igreja. A mãe dele preparava o doce durante a noite.
Naquele caminho de quase dois quilômetros de casa, no bairro de Vasco da Gama, até a Assembleia de Deus, na comunidade da Linha do Tiro, na zona norte do Recife, o rapaz de 18 anos andava, pensava e ‘ouvia’ os sons que poderiam surgir. Sons do contrabaixo que ele sonhava em comprar, por R$ 800, se vendesse todas as trufas depois do culto, a R$ 2. “Eu não podia adiar meu sonho”.
Depois de dois anos, ele conseguiu adquirir o instrumento. A igreja evangélica foi o lugar em que ele cresceu, aprendeu a tocar, ouvir e cantar as músicas cristãs no domingo, o dia mais esperado da semana.
Dez anos depois, Samuel entende que a “música de louvor” o transformou. Tanto que também aprendeu o violão.
Na última semana, ele classificou como “reconhecimento” – ideia que não é unanimidade entre os evangélicos – a no Brasil, em 9 de junho: “é bom ter um dia em homenagem. Essa música me traz paz”.
Samuel espera ansiosamente cada domingo para tocar e cantar também como alívio depois de longas jornadas como operador de loja em um supermercado no Recife.
Hoje, ele ensina o gênero musical a crianças e adolescentes, assim como um dia aprendeu. “Quando os mais novos nos veem com instrumentos, perguntam como que faz para tocar.”
Segundo explica o professor de sociologia Paulo Gracino de Souza Junior, pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), a música ocupa um lugar central no pertencimento do evangélico: “a música chamada gospel é ouvida em igrejas e doutrinas diferentes. É bastante importante não só para o segmento evangélico”.
O professor entende que o Dia da Música Gospel, na última terça-feira (15), é uma forma de contrabalancear a visibilidade dada pelo Estado às representações culturais que foram majoritariamente ligadas à crença católica.
Ele exemplifica que artistas e atletas expõem canções gospel não necessariamente ligadas à crença pessoal e esse tipo de música já adentrou todos os espaços. “Você entra no supermercado, por exemplo, na periferia do Rio de Janeiro, e escuta música gospel tocando no rádio”.
O pesquisador contextualiza que as igrejas exercem um papel importante na periferia, em espaços de menos lazer, e são centrais para a discussão de problemas da comunidade, de problemas pessoais e também de aprendizagem de uma profissão e de uma prática cultural nova.
Outra relação que o pesquisador estabelece é que a música na igreja representa o local de aprendizado de instrumentos. “Nos Estados Unidos, por exemplo, também existe o fenômeno de pessoas que passaram pela igreja, pelos corais e acabaram depois seguindo carreira artística”.
O músico brasiliense Rivanilson Alves, o Rivas, de 55 anos, é compositor de hip hop e se converteu à igreja evangélica (Sal da Terra) no início dos anos 2000. Ele entende que ter um dia da música gospel é importante, mas chama a atenção para o fato de que há diferentes ramificações do estilo e, por isso, deve ser visto de forma ampla.
Ele vive na região do Sol Nascente, no Distrito Federal e toca na Bethel Band. “Traz mais funk e soul”. Foi a música e as suas reflexões que o levaram para a igreja. Ele garante que, dentro da igreja, teve apoio e não sentiu olhos enviesados para o hip hop gospel. “A gente mantém essa linha mais black music e tratando de periferia”.
O carioca Isaias Campos, de 59 anos, da Igreja do Senhor, no bairro de Bento Ribeiro, na zona norte, aprendeu a tocar o pandeiro na igreja na adolescência e afirma que as igrejas devem vencer o preconceito contra estilos musicais periféricos.
“Eu descobri o cantar. A minha voz tem uma tonalidade raríssima, que é o baixo profundo”. Ele considera que a denominação gospel tem apelo comercial e as gravadoras descobriram esse filão promissor.
O músico evangélico avalia que a data nacional pode ser utilizada pelas empresas para finalidade comercial. “Eu não diferencio músicas cristãs de profanas, mas se são boas ou ruins. São da música popular brasileira”.
Da mesma forma, também do Rio de Janeiro, o professor evangélico Samuel Gomes de Souza, de 59 anos, das áreas de geografia e sociologia, avalia que o Dia da Música Gospel tem características de um ato político de conciliação ou aproximação com as lideranças evangélicas. “Eu não gosto do termo gospel porque ele não tem nada com a nossa realidade”.
Seja como for a denominação, a enfermeira Angélica dos Santos, de 45 anos – que também é cantora e compositora na igreja –, diz que resolveu usar a música para servir a uma igreja na comunidade de Céu Azul, na cidade de Valparaíso de Goiás (GO), na Igreja de Cristo.
Foi a música que também a comoveu para ingressar na igreja, na adolescente. Hoje quer ensinar e encantar com a música outros jovens, como um dia ocorreu com ela, nos tempos em que aprendeu a cantar e tocar violão.
Entre os laços, ela testemunhou histórias que aprendeu a admirar, como a do servente de pedreiro Denilson Pereira, de 34 anos, morador de Jardim Ingá, na cidade de Luziânia (GO). Depois de perder os pais e se encontrar em situação de maior vulnerabilidade social, ficou desesperançoso chamado para “caminhos errados”. Na igreja, encontrou o som que fez a diferença, o da bateria. “Aprendi até que rápido. Posso dizer que foi a música que me deu esperança”.
Fonte: Agência Brasil
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“Lamentável e dilacerante”, diz ministra sobre morte jovem por polícia

O caso do assassinato do marceneiro Guilherme Dias Santos Ferreira, um jovem negro de 26 anos, que levou um tiro na cabeça do policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida, na última sexta-feira (4), vai ser acompanhado pelo Ministério da Igualdade Racial. A titular da pasta, Anielle Franco, publicou um nota nas redes sociais para repudiar o episódio.
“É lamentável e dilacerante chorarmos a morte de mais um jovem inocente. Guilherme Dias dos Santos Ferreira saiu do trabalho, corria para pegar o ônibus, carregava sua marmita, talheres e a bíblia, e recebeu um tiro na cabeça! O racismo institucional persiste em ‘confundir’ corpos negros. É urgente que essa realidade mude!”, escreveu a ministra.
O marceneiro foi morto pelo agente após ser confundido com assaltantes que tentavam roubar sua moto. O crime aconteceu na Estrada Ecoturística de Parelheiros, na zona Sul de São Paulo. O PM lotado no 12º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano chegou a ser preso em flagrante por homicídio culposo, mas foi liberado após pagamento de fiança.
Conforme o boletim de ocorrência, o policial disse que estava em sua moto tendo sido abordado por suspeitos armados. Ao reagir aos tiros contra o assalto, Guilherme acabou baleado e morreu no local. A vítima estava indo pegar um ônibus após o dia de trabalho.
“Como ministra da Igualdade Racial, mas também como Anielle, humana, que sabe a dor de perder um ente querido para uma violência injustificável e covarde, me solidarizo com a família e amigos de Guilherme. E reafirmo nosso compromisso com a promoção de práticas antirracistas nas políticas de segurança pública. O Ministério da Igualdade Racial já oficiou as autoridades responsáveis, está acompanhando o caso e segue à disposição para oferecer os apoios necessários. Por isso não descansaremos. Lutamos e trabalhamos para proteger nossos jovens e todas as vidas negras deste país”, acrescentou a ministra.
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PM que matou marceneiro em Parelheiros é afastado

O policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida que matou com um tiro na cabeça o marceneiro Guilherme Dias Santos Ferreira, de 26 anos, foi afastado do serviço operacional.
O marceneiro foi morto na sexta-feira à noite (4) pelo agente após ser confundido com assaltantes que tentavam roubar sua moto. O crime aconteceu na Estrada Ecoturística de Parelheiros, na zona Sul de São Paulo.
O PM lotado no 12º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano chegou a ser preso em flagrante por homicídio culposo, mas foi liberado após pagamento de fiança.
Conforme o boletim de ocorrência, o policial disse que estava em sua moto tendo sido abordado por suspeitos armados. Ao reagir aos tiros contra o assalto, Guilherme acabou baleado e morreu no local. A vítima estava indo pegar um ônibus após o dia de trabalho.
“O caso foi registrado como homicídio e é investigado por meio de inquérito policial instaurado pelo Setor de Homicídio e Proteção à Pessoa (SHPP) de Guarulhos, que realiza diligências visando identificar e localizar os autores, bem como esclarecer os fatos. Demais detalhes serão preservados devido ao sigilo imposto”, diz nota da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.
Também em nota, o ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo Mauro Caseri disse que foi aberto um procedimento encaminhado para a Corregedoria da Polícia Militar, solicitando informações sobre os procedimentos instaurados pelo órgão.
A ouvidoria também afirmou que pediu ao Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa da Polícia Civil de São Paulo (DHPP) “a portaria e relatório de conclusão do inquérito policial; laudo necroscópico e respectivas representações gráficas da vítima fatal; laudos periciais do local do crime, exame balístico e exames residuográficos; imagens arrecadadas de câmeras de monitoramento da região, bem como informações sobre a distribuição judicial do feito”.
Além disso, o órgão também encaminhou ofício para a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (DECRADI), para que a Polícia Civil investigue eventuais implicâncias raciais na ocorrência, já que a vítima Guilherme era negro.
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Avós da Praça de Maio encontram 140° neto sequestrado pela ditadura

A organização Avós da Praça de Maio anunciou nesta segunda-feira (7), em Buenos Aires, que encontrou o neto número 140 sequestrado pela ditadura argentina, que governou o país de 1976 a 1983.
Trata-se de um homem nascido em 17 de abril de 1977, no centro clandestino La Escuelita, na cidade de Bahía Blanca, a 630 quilômetros da capital. Ele é filho de Graciela Alicia Romero e Raúl Eugenio Metz, dois militantes contra o período autoritário que até hoje constam como desaparecidos. O filho de ambos, agora descoberto, nasceu em cativeiro na província de Neuquén.
“Com a restituição do neto 140 confirmamos, mais uma vez, que nossos netos e netas estão entre nós e que, graças à perseverança e ao trabalho constante desses 47 anos de luta, continuarão aparecendo. O apoio da sociedade, que segue fornecendo informações sobre possíveis filhos e filhas de pessoas desaparecidas e acolhendo quem tem dúvidas sobre sua origem, demonstra que essa busca não pode ser solitária”, informou a Avós da Praça de Maio, em comunicado oficial.
Os detalhes do caso também foram informados durante uma coletiva de imprensa, com participação da presidente da entidade, Estela de Carlotto, que tem 94 anos.
A saga pela restituição desse neto começou desde o primeiro momento do desaparecimento, quando as famílias Metz e Romero buscaram por Graciela, Raúl e o bebê. Liderados inicialmente pelos pais de Graciela e Raúl, a luta seguiu graças à filha do casal e irmã mais velha do homem reencontrado, Adriana.
A partir de uma informação recebida anonimamente pelas Avós, iniciou-se uma investigação que passou a ser realizada em conjunto com a Comissão Nacional pelo Direito à Identidade (CoNaDI) e a Unidade Especializada para Casos de Apropriação de Crianças durante o Terrorismo de Estado (UFICANTE).
Esse trabalho conjunto permitiu reforçar a hipótese de uma possível apropriação, reunir a documentação necessária e aprofundar o caso. Em abril deste ano, com a finalização dessa etapa, a CoNaDI entrou em contato com o possível neto para lhe apresentar todas as informações reunidas. Ele então aceitou ir ao Banco Nacional de Dados Genéticos (BNDG) e fornecer sua amostra de DNA, que foi comparada com as famílias que buscam seus netos.
Finalmente, na última sexta-feira (4), o BNDG comunicou à CoNaDI o resultado do teste de DNA, e a Comissão informou ao homem que, de fato, tratava-se de um caso de apropriação e que seu perfil genético correspondia ao da família Metz Romero.
“Durante o final de semana, ambas as famílias foram notificadas, o que hoje nos permite comunicar ao público que encontramos o neto 140. Cada restituição revela de forma irrefutável que a ditadura executou um plano de extermínio, que cometeu um genocídio. Cada neto confirma que o Estado terrorista sequestrou pessoas, as manteve ocultas em Centros Clandestinos de Detenção sob tortura, as assassinou e fez desaparecer seus corpos. Que nesses campos de concentração existiam maternidades clandestinas, onde mulheres como Graciela Romero deram à luz em condições desumanas. Que houve um plano sistemático de apropriação de menores, condenando essas crianças a viverem na mentira e suas famílias biológicas a buscá-las indefinidamente“, destacou a entidade, em nota.
Tida como uma das mais autoritárias das Américas, a ditadura da Argentina foi responsável por perseguições, sequestros, torturas e assassinatos que vitimaram mais de 30 mil pessoas.
Uma das políticas sistemáticas desse período foi justamente o sequestro e roubo de bebês de mães militantes políticas que estavam presas em centros clandestinos de tortura.
Essas crianças eram então repassadas para adoção por outras famílias, muitas das quais ligadas a militares. A Avós da Praça de Maio estima que ainda existam pelo menos 300 casos de sequestro de crianças jamais elucidados, e os movimentos de mães e avós emergiram dessa busca por verdade e justiça, tornando-se referência na luta por direitos humanos no país.