Saúde
Organizações cobram do Ministério da Saúde entrega de remédio para AME

Organizações que atuam em defesa dos direitos de pessoas com Atrofia Muscular Espinhal (AME) cobram do Ministério da Saúde a publicação da atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de AME, para que crianças com a doença possam ter acesso a medicamento que custa mais de R$ 5 milhões e ajuda a estabilizar a progressão da AME logo nos primeiros meses de vida.
O medicamento é o Zolgensma® (onasemnogeno abeparvoveque), ao Sistema Único de Saúde (SUS) em dezembro de 2022. Para que os pacientes de fato tenham acesso a ele, no entanto, é preciso que o PCDT seja atualizado, o que, dois anos após a incorporação, ainda não ocorreu. “Sem isso, a incorporação não se efetiva realmente, pois não acontece a dispensação do medicamento aos pacientes”, destacam as organizações, que juntas formam o Universo Coletivo AME.
As organizações apresentaram um manifesto nesta segunda-feira (9) ao Departamento de Atenção Especializada e Temática do Ministério da Saúde no qual cobram “uma resposta assertiva quanto a demora na publicação do PCDT atualizado e à previsão de, efetivamente, o Zolgensma® estar disponível no SUS para os pacientes”.
“Cansamos. Literalmente cansamos de tentar resolver por todas as vias possíveis e imagináveis”, diz a presidente do Instituto Fernando Loper, Adriane Loper. O instituto é um dos signatários.
“A AME é uma doença que, a partir do momento que você nasce, você está perdendo neurônios motores. Ou seja, você está perdendo as tuas capacidades. Então, cada dia a mais [sem tratamento] é prejudicial”, ressalta.
Adriane viveu isso de perto. O filho, Fernando Loper foi diagnosticado ainda bebê com a doença. Aos sete meses, ele foi internado e viveu na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) todos os 9 anos de vida. Ele foi diagnosticado em 1996, muito antes da aprovação do primeiro medicamento para a doença, em 2016.
Adriane e o filho, Fernando – Crédito: Arquivo pessoal
“Meu filho morou os 9 anos na UTI. Foi assim que começou essa luta por uma tentativa de melhorar as condições de tratamento, porque ninguém sabia o que fazer. O diagnóstico já era a sentença de morte. Mas, isso para mim não era resposta. Eu não aceitei isso, desde o primeiro minuto. Comecei a ir atrás e buscar outras formas. A gente foi tateando, conhecendo profissionais com mais experiência e dando qualidade de vida para o Fernando”, diz.
Após a morte do filho, a luta por melhores condições de tratamento para pacientes com AME seguiu com a criação do Instituto. Hoje, com a possiblidade de mais um medicamento chegar a mais pessoas, Adriane diz ter pressa: “Várias crianças estão aí sem receber medicação, simples assim, porque o governo não faz o papel dele. Nós enquanto sociedade civil já fizemos o nosso papel de fazer todos os trâmites para incorporação”.
A pressa é a mesma da presidente do Grupo Viva Iris, Aline Giuliani. “É uma doença que mata neurônios e neurônio a gente não recupera. Então, quando existe uma consequência da doença, a gente não consegue recuperar isso. A gente consegue parar a progressão, a gente consegue diminuir o que vem depois, mas a gente não volta no tempo”, diz.
Aline também teve a vida atravessada pelo diagnóstico da filha, Iris Giuliani, que hoje tem 20 anos. Ela começou o tratamento apenas com 15 anos, quando havia medicamentos disponíveis. “A gente acompanhou tudo desde que ela era muito pequena e a gente sempre teve muita esperança de que, quando esses medicamentos chegassem, as pessoas realmente fossem ser cuidadas, mas não é o que acontece, né? Desde que o primeiro medicamento foi aprovado, ainda lá nos Estados Unidos, de lá para cá, a gente vive uma luta constante, diária, para que as pessoas recebam um tratamento tão necessário. E, hoje, embora a gente tenha três opções terapêuticas, a gente tem muitos problemas, muitos pacientes que não conseguem ter acesso a tratamento”, diz.
Rio de Janeiro –Larissa e Iris- Crédito: Arquivo pessoal
A presidente do Grupo Viva Iris ressalta que além de prejudicar o tratamento das crianças, o atraso também onera os cofres públicos. Na falta de um protocolo, as pessoas acabam recorrendo à Justiça para conseguir o medicamento. E assim, as compras individuais saem muito mais caras que uma compra maior, que seria feita caso o medicamento já fosse distribuído.
Segundo o manifesto, estudo publicado em 2024 mostra que o gasto médio do Ministério da Saúde para a compra de Zolgensma® para 109 pacientes foi de R$ 8,67 milhões por dose. Por outro lado, o preço negociado na incorporação para disponibilização via PCDT foi de R$ 5,72 milhões por frasco. Esse preço, no entanto, só passa a ser praticado após a publicação do PCDT.
AME
A AME é uma doença rara, degenerativa, transmitida de pais para filhos e que interfere na capacidade do corpo de produzir uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurônios motores, responsáveis pelos gestos voluntários vitais simples do corpo, como respirar, engolir e se mover.
Varia do tipo 0 (antes do nascimento) ao 4 (segunda ou terceira década de vida), dependendo do grau de comprometimento dos músculos e da idade em que surgem os primeiros sintomas.
Os principais sinais da doença incluem perda do controle e de forças musculares e incapacidade e/ou dificuldade de movimentos e locomoção; de engolir; de manter a cabeça ereta e de respirar.
Atualmente, três medicamentos estão incorporados no SUS. O Zolgensma é um medicamento dose única via intravenosa. Ele é indicado para o tratamento de crianças com AME do tipo 1, com até seis meses de idade, que estejam fora de ventilação invasiva acima de 16 horas por dia.
O Zolgensma é diferente dos demais já incorporados ao SUS para os tipos 1 e 2 de AME, que são administrados com periodicidade. O nusinersena é uma injeção com aplicação feita em ambiente hospitalar. No início do tratamento, é aplicada a cada 14 dias e, na manutenção, uma vez a cada quatro meses. Já o risdiplam é administrado por solução oral diária.
A AME ainda não tem cura. As terapias existentes tendem a estabilizar a progressão da doença, por isso a importância da administração precoce do medicamento.
Ministério da Saúde
Em nota, o Ministério da Saúde diz que, no último dia 2, foi realizada uma reunião entre técnicos do ministério e representantes da farmacêutica Novartis, fornecedora exclusiva do medicamento, para tratar do Acordo de Compartilhamento de Risco (ACR).
Segundo o ministério, a pasta aguarda um posicionamento da Novartis. “O Ministério da Saúde está atuando de forma ativa para cumprir com o fornecimento administrativo da terapia incorporada ao SUS, mas depende, nesse momento, do posicionamento da Novartis. É importante destacar que o ministério enviou uma minuta de acordo a Novartis e aguarda a formalização do ACR para dar acesso ao medicamento. A pasta tem realizado uma série de tratativas com a empresa”.
De acordo com a pasta, o processo “é complexo porque o Ministério da Saúde precisa monitorar a melhora do paciente com a terapia gênica e os resultados ao longo dos anos. Vale ressaltar que esse será o primeiro acordo comercial envolvendo pagamento da terapia após monitoramento individual do paciente no SUS”.
O ministério diz ainda que nenhum paciente com indicação médica e decisão judicial favorável ficou desassistido, pois “adotou todas as medidas necessárias para garantir o acesso do paciente e evitar atraso no fornecimento do medicamento Zolgensma”.
Com informações: agenciabrasil.ebc.com.br
Saúde
Planos de saúde poderão abater dívidas ao atender pacientes do SUS

Planos de saúde terão a possibilidade de abater dívidas de ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) ao atender pacientes da rede pública. A portaria que oficializa a medida foi apresentada nesta segunda-feira (28) pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, pelo advogado-geral da União, Jorge Messias, e pela presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Carla de Figueiredo Soares.
A expectativa é que os pacientes do SUS sejam atendidos na rede privada a partir de agosto. A medida faz parte do programa Agora Tem Especialistas, e priorizará seis áreas com mais carência por serviços especializados: oncologia, oftalmologia, ortopedia, otorrinolaringologia, cardiologia e ginecologia.
Segundo o Ministério da Saúde, também será considerada a demanda dos estados e municípios, que vão apresentar suas necessidades. Estima-se que, inicialmente, R$ 750 milhões em dívidas das operadoras privadas sejam convertidos em consultas, exames e cirurgias.
As dívidas ocorrem porque os planos de saúde têm que ressarcir o SUS quando os beneficiários dos planos de saúde usam serviços públicos e estes constam na cobertura contratual assinada.
As operadoras que desejarem participar do programa devem aderir ao edital conjunto do Ministério da Saúde e da ANS. É preciso comprovar capacidade técnica e operacional e disponibilizar uma matriz de oferta que atenda às necessidades do SUS. Segundo a pasta, as vantagens da adesão ao edital são a regularidade fiscal, o uso da total capacidade dos hospitais conveniados e a redução de litígios administrativos e judiciais.
Os valores a serem convertidos em atendimento terão que ser negociados com a ANS ou com a Procuradoria-Geral Federal, no caso de dívidas ativas. Os planos de saúde precisam realizar mais de 100 mil atendimentos por mês. De forma excepcional, será considerado valor mínimo de R$ 50 mil por mês para planos de saúde de menor porte.
“É a primeira vez na história do SUS que implementamos um mecanismo como este. As dívidas, que antes iam para o Fundo Nacional de Saúde, mas não se convertiam em atendimento, agora viraram ações concretas para reduzir filas e dar dignidade a quem mais precisa”, disse o ministro Alexandre Padilha.
Plataforma de integração
O Ministério da Saúde também anunciou que os dados dos atendimentos realizados pela rede pública e pela rede de saúde suplementar estarão integrados na Rede Nacional de Dados em Saúde.
A partir de outubro, a promessa é de que os pacientes tenham mais autonomia e facilidade para acessar o histórico clínico. Será possível consultar exames, prescrições médicas, diagnósticos e tratamentos realizados no SUS e nos hospitais, clínicas e laboratórios conveniados aos planos de saúde.
Segundo a pasta, as informações da rede suplementar evitarão a repetição de exames, reduzirão custos e melhorarão diagnósticos e tratamentos.
A integração com a plataforma do SUS ocorrerá em etapas. Entre 1º de agosto e 30 de setembro, a Rede Nacional de Dados em Saúde receberá dados da população dos períodos de 2020 a 2025. A partir de outubro, a transferência será automática, conforme os atendimentos forem realizados.
Dados dos planos de saúde serão visualizados pela população no aplicativo Meu SUS Digital. Profissionais e gestores do SUS poderão acessá-los nas plataformas SUS Digital Profissional e SUS Digital Gestor, respectivamente.
O Ministério da Saúde espera que o volume na Rede Nacional de Dados em Saúde passe dos atuais 2,8 bilhões de registros para mais de 5,3 bilhões. A plataforma do SUS já conta com informações referentes a atendimentos públicos: mais de 80% dos estados e 68% dos municípios brasileiros usam a rede para organizar e planejar ações.
Saúde
Ministério da Saúde abre inscrições para o Agora Tem Especialistas

Profissionais interessados em participar do programa Agora Tem Especialistas podem se inscrever na plataforma da Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde a partir desta segunda-feira. O programa vai selecionar médicos especialistas para atuar em unidades públicas, com o objetivo de reduzir o tempo de espera por esses atendimentos. As inscrições vão até o dia 10 de agosto e as atividades começam em setembro, com duração de um ano.
O edital oferece 635 vagas imediatas, além de 1.143 para cadastro de reserva. Do total de vagas, 20% serão reservadas para pessoas negras, indígenas ou quilombolas e 6% para pessoas com deficiência. Para participar, é preciso ter Registro de Qualificação de Especialista – RQE ou estar em processo de solicitação, desde que a residência médica tenha sido concluída, ou o título de especialista já tenha sido emitido pela Associação Médica Brasileira – AMB.
Os médicos selecionados vão dedicar 16 horas semanais de assistência à população, e outras 4 horas a itinerários formativos teórico-práticos, conduzidos por profissionais dos hospitais do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde – Proadi-Sus e da Rede Ebserh. Em troca, receberão uma bolsa mensal que varia entre R$10 mil e R$20 mil reais, conforme a vulnerabilidade social da cidade onde irão atuar.
>> Siga o canal da Agência Brasil no WhatsApp
No momento da inscrição, o candidato já deverá escolher em qual município e estabelecimento de saúde de sua preferência, podendo indicar até dois locais. A seleção será feita por pontuação, de acordo com as titulações de especialização e tempo de formação comprovados.
“Pela primeira vez, o Ministério da Saúde lança um programa com o intuito de trazer médicos especialistas para a Atenção Especializada da rede pública de saúde. Depois do sucesso do Programa Mais Médicos, que possibilitou formar e contratar médicos de família e comunidade, chega a vez do Agora Tem Especialistas, que vai investir no desenvolvimento desses profissionais já especializados”, explica o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
Saúde
Manicômios judiciários unem o pior da prisão e do hospício, diz CFP

Inspeções em manicômios judiciários do país, realizadas pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), revelaram o uso de choque elétrico, medicalização forçada, violência física e psicológica, isolamento punitivo e outras práticas de tortura e violações. As conclusões estão no Relatório de Inspeção Nacional: Desinstitucionalização dos Manicômios Judiciários, lançado nesta segunda-feira (28) pela entidade, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“É uma denúncia pública e técnica que escancara o que o Brasil insiste em esconder através dos muros e grades dos estabelecimentos de custódia e tratamento psiquiátricos: a continuidade de práticas de tortura, abandono, medicalização forçada e o encarceramento que pode equivaler, na prática, com prisões perpétuas”, disse a presidenta do CFP, Alessandra Almeida, durante evento de divulgação do relatório.
Os manicômios judiciários são destinados a pessoas com transtorno mental ou deficiência psicossocial em conflito com a lei e estão no foco da Resolução nº 487/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que criou a Política Antimanicomial do Poder Judiciário e indicou a necessidade de fechamento desses locais.
Segundo Almeida, foi observado um contexto de violações sistemáticas e institucionalizadas nas instituições asilares, como contenções físicas e químicas sem respaldo clínico, agressões físicas e verbais, isolamento punitivo, violação de vínculos familiares e ausência de canais de denúncia.
A inspeção identificou 2.053 pessoas com deficiência psicossocial em conflito com a lei ainda institucionalizadas nesses locais de caráter asilar – que é centrado na exclusão e isolamento.
“São práticas que contrariam frontalmente a prescrição de cuidado e atenção à saúde que devem ser direcionadas à essa população, conforme o que estabelece a Lei 10.216/2001 [Lei da Reforma Psiquiátrica], Convenções Internacionais das quais o Brasil é signatário e uma série de dispositivos e normativas que orientam a política de saúde mental no país”, disse.
Equipes do CFP fizeram inspeção presencial em 42 instituições, de janeiro a março de 2025, em 21 unidades federativas, das cinco regiões do país. Realizado dez anos após o primeiro diagnóstico feito pela entidade sobre o tema, o novo relatório concluiu que esses locais continuam reproduzindo “o pior da prisão com o pior do hospício”.
“A negligência, a lógica do castigo, a violação e o abandono estatal que chega a resultar em prisões perpétuas são marcas dessas instituições”, apontou a entidade.
O documento pontua ainda que as instituições têm problemas como infraestrutura degradada, restrições severas à circulação, falta de acessibilidade e superlotação; o acesso à água potável e à alimentação é limitado e insalubre; e faltam itens básicos para a higiene pessoal e roupas de cama. Segundo o CFP, foram identificadas também diversas formas de precarização do trabalho.
Racismo e capacitismo
“Quando olhamos para os manicômios judiciários, vemos pessoas que não são punidas pelo que fizeram mas pelo que se teme que possam fazer. Esse é o conceito de periculosidade, uma noção subjetiva e frequentemente enviesada, racializada e capacitista”, disse a presidenta do conselho.
Com base no pensamento de Franz Fanon, ela mencionou que a psiquiatria pode servir como ferramenta de opressão quando trata os sujeitos como problemas a serem corrigidos e não como pessoas a serem compreendidas. “Fanon, que foi psiquiatra e revolucionário, já advertia que a colonialidade habita os discursos da normalidade, do diagnóstico e do controle”.
“No Brasil, essa colonialidade se expressa de forma aguda na vida das pessoas negras, pobres, periféricas e com sofrimento psíquico. Ana Flauzina [doutora em Direito] afirma que o sistema prisional brasileiro é um sistema de desaparecimento de corpos negros, uma tecnologia de morte lenta e silenciosa”, acrescentou.
Ao citar ainda Carla Akotirene, autora da obra Interseccionalidade, Alessandra Almeida ressalta os cruzamentos entre raça, gênero, classe e deficiência no contexto da construção do que seria um “sujeito perigoso”.
“Isso nos faz reafirmar que, pelo menos, para as análises, investigações e práticas psicológicas, já não é possível – diante das complexidades sociais impostas – que não utilizemos a interseccionalidade como um elemento importante da nossa práxis”, concluiu.