Internacional
Brics no Brasil busca consolidar bloco em expansão pós-guerra no Irã

A guerra de Israel e dos Estados Unidos (EUA) contra o Irã – um dos membros permanentes do Brics – ampliou os desafios do bloco de países que busca se consolidar institucionalmente na Cúpula do Rio de Janeiro (RJ) neste domingo (6) e segunda-feira (7).
Nos últimos dois anos, o Brics cresceu de cinco para 11 integrantes permanentes, além de incluir dez novos membros parceiros. Administrar essa expansão é um dos desafios da presidência do Brasil para consolidar o mecanismo de cooperação multilateral que pretende modificar a atual arquitetura global de poder.
O contexto não era dos mais tranquilos, mesmo antes do conflito com o Irã, por causa da guerra tarifária do presidente Donald Trump, dos Estados Unidos (EUA), e suas ameaças contra os países que substituam o dólar nas transações comerciais, sendo essa uma das propostas que ganhou força na Cúpula de Kazan, na Rússia, em 2024.
Em meio ao cerco econômico e financeiro das potências ocidentais contra Moscou, o país em guerra contra a Ucrânia tem mais pressa para criar alternativa à moeda estadunidense.
Além disso, Inteligência Artificial (IA), mudanças climáticas, Irã, Palestina e debates sobre saúde global, paz e segurança mundiais estão entre os temas em destaque.
Para especialistas em Brics consultadas pela Agência Brasil, a ambiciosa agenda russa do ano passado foi reduzida no Brasil que, semelhante a outros países do fórum, como Índia, Egito e Emirados Árabes Unidos, evita provocar a principal potência do Norte, avessa a mudanças que fragilizem seu poder global.
A professora de relações internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e pesquisadora do Brics Policy Center, Ana Garcia, avalia que o acirramento da polarização internacional reduziu a agenda liderada pela Rússia no ano passado.
“A Rússia veio muito ambiciosa, ‘com o pé na porta’, com propostas inovadoras. Já o Brasil reduziu a ambição da agenda vinda da Rússia na tentativa de não criar uma situação mais desafiadora com os EUA, com o Trump”, comentou.
Entre as propostas citadas pela especialista, está a criação de uma bolsa de grãos para contribuir com a estabilização do preço internacional dos alimentos. Isso porque hoje esse preço é fixado pela Bolsa de Valores de Chicago, nos EUA. Além disso, a Rússia deu muita ênfase à desdolarização.
Para Ana Garcia, o Brasil focou mais em iniciativas que fortaleçam e facilitem o comércio e os investimentos entre os países membros.
“Isso é positivo porque hoje, tirando a China, que é o maior parceiro comercial de todos os países membros, o comércio intra-Brics ainda é reduzido. Brasil e África do Sul, por exemplo, tem comércio irrisório mesmo após 16 anos da entrada do país africano no grupo”, avalia.
Tensão geopolítica
A coordenadora do grupo de pesquisa sobre Brics da PUC do Rio de Janeiro, professora Maria Elena Rodríguez, destacou que o momento geopolítico é de tensão e, tirando a Rússia e o Irã, os demais países estão mais cautelosos.
“Em termos de participação e propostas, a Cúpula de Kazan foi muito substancial, mas muitas propostas foram reduzindo de lá pra cá. A Rússia teve um ímpeto bastante grande, mas o mundo mudou. Parte daquela agenda ficou um pouco mais devagar. Isso porque os países estão mais cautelosos, incluindo a China”, analisou.
Rodríguez explicou que países como Índia, Brasil, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e África do Sul buscam se equilibrar diante das tensões internacionais.
“Basicamente, estão buscando uma agenda mais neutra, focada no Sul Global, mas não contra o ocidente, evitando esse confronto direto.”
Desdolarização
Talvez a agenda mais espinhosa do bloco seja a de criação de sistemas de pagamento em moedas locais, o que levaria à substituição do dólar, ao menos parcialmente, no comércio entre os países.
A proposta é duramente criticada por Donald Trump que teme perder os benefícios de ter o dólar como moeda internacional.
A professora da UFRRJ Ana Garcia pondera que essa agenda é de longo prazo e países como Brasil, Índia, e mesmo China, têm muitas reservas em dólar e uma mudança imediata poderia provocar impactos indesejados nas economias desses países.
“Deter a moeda internacional – como os EUA faz com o dólar – traz poderes extravagantes, como possibilidade de isolar países por meio de sanções financeiras, e aumentar o endividamento público sem maiores preocupações, mas traz custos também para equilibrar a economia nacional com a global”, argumentou a especialista.
Ana Garcia explicou que a China não tem interesse imediato de arcar com esses custos para não prejudicar a economia. Por isso, avalia que o tema continuará como uma medida em fase de estudo no Brics.
“A China usa os instrumentos bilaterais que ela tem para circular o yuan, mas sem fazer disso uma agenda política. A China é ainda a principal detentora em reservas internacionais em dólar. E ela não quer abrir a economia. Seu fluxo de capitais é controlado para evitar especulação financeira. Com isso, ela não consegue fazer sua moeda circular livremente para ser descontada por todos, como é o caso do dólar”, explicou.
A professora da PUC do Rio Maria Elena Rodriguez concorda que essa é uma agenda de longo prazo, mas avalia que é possível que a Cúpula do Rio entregue algum avanço em relação ao uso de moedas locais, especialmente na padronização técnica de como o sistema deve funcionar.
“Talvez alguma medida para ajustar as regulamentações de todos os países, alinhar questões tributárias, para permitir um avanço futuro. Mas não vai ser muito mais do que isso”, ponderou.
Institucionalização do Brics
Um possível avanço mais concreto da Cúpula sob a presidência brasileira é em relação a acordos para disciplinar a tomada de decisões em um Brics ampliado. Atualmente, não há regras definidas para o funcionamento do fórum.
A especialista em Brics Maria Elena Rodríguez avalia que é preciso concretizar o que significa o agrupamento, tendo cuidado para amarrar essas regras sem deixar o grupo muito rígido.
“Minimamente, tem que ter alguns elementos que ajudem a definir como será uma nova ampliação do bloco, ou para melhorar a performance do grupo. O Brasil está apostando bastante nessa agenda para entregar um Brics mais formalizado”, finalizou.
A professora de relações internacionais da Federal Rural do RJ, Ana Garcia, lembrou que o Brics ainda não tem nenhum documento formal estabelecendo os procedimentos de tomada de decisão.
“É preciso decidir se as decisões vão continuar sendo por consenso, ou não. Quais critérios objetivos apara adesão de novos membros? Se essa agenda avançar, vai ser um ganho para o bloco, para o grupo”, concluiu.
Brics
O Brics é um bloco que reúne representantes de 11 países membros permanentes: Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Indonésia.
Também participam os países parceiros: Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Tailândia, Cuba, Uganda, Malásia, Nigéria, Vietnã e Uzbequistão.
Os 11 países representam 39% da economia mundial, 48,5% da população do planeta e 23% do comércio global. Em 2024, países do Brics receberam 36% de tudo que foi exportado pelo Brasil, enquanto nós compramos desses países 34% do total do que importamos.
Internacional
Médicos sem Fronteiras tem 12º profissional morto em Gaza

A organização Médicos sem Fronteiras (MSF) registrou o 12º profissional morto na Faixa de Gaza desde outubro de 2023. Abdullah Hammad foi assassinado pelo Exército israelense no último dia 3 de julho na região sul do território.
“As forças israelenses atacaram deliberadamente um grupo de pessoas que aguardavam por caminhões de ajuda, incluindo Abdullah, sem qualquer advertência prévia”, afirma o MSF.
Abdullah era higienista, profissional responsável pela desinfecção e manutenção do ambiente hospitalar seguro e livre de microrganismo, e havia trabalhado na clínica do MSF em Al Mawasi por um ano e meio.
“A MSF está chocada e profundamente triste com esta tragédia atroz”, disse em nota.
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Pelo menos 16 pessoas foram mortas no total no mesmo incidente, de acordo com as equipes médicas do hospital Nasser.
“O grupo esperava desesperadamente para coletar farinha de um caminhão de assistência em Khan Younis, no sul de Gaza, próximo a uma usina de dessalinização na região, onde um episódio semelhante já havia ocorrido em 17 de junho”, informou a organização humanitária.
Segundo o coordenador de emergência de MSF em Gaza, Aitor Zabalgogeazkoa, é provável que o número real de mortos seja muito maior, pois o Exército israelense se recusou a permitir que os corpos fossem retirados do local.
“As forças israelenses então ordenaram que as pessoas que estavam tentando recolher farinha saíssem imediatamente. O nível de desespero por alimentos em Gaza está nesse momento além de qualquer compreensão. A capacidade das agências humanitárias de atender às necessidades urgentes está restrita ao mínimo necessário. As autoridades israelenses estão limitando as movimentações e a circulação de suprimentos e criaram uma maneira militarizada de distribuir alimentos que é degradante e mortal. A situação de fome sistêmica e deliberada a que os palestinos estão sendo submetidos há mais de 100 dias está levando as pessoas em Gaza ao limite. Esta carnificina precisa acabar agora”, disse Aitor, em nota.
No dia 4 de julho, a Organização das Nações Unidas (ONU) registrou 613 mortes em pontos de distribuição de alimentos em Gaza. Os números abrangiam o período de 27 de maio a 27 de junho.
Profissionais do MSF que estiveram recentemente na Faixa de Gaza relataram um cenário de terra devastada pelos bombardeios do exército israelense.
Segundo a coordenadora do MSF em Jerusalém Oriental, Damares Giuliana, que atendia os territórios de Gaza e Cisjordânia, 94% dos hospitais de Gaza estão fora de funcionamento porque foram bombardeados ou despejados. Os 6% que ainda funcionam também foram danificados.
Internacional
Lula afirma que Brics representa nova forma de fazer política

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, nesta segunda-feira (7), que o Brics não nasceu para afrontar ninguém e representa uma nova forma de fazer política. A declaração foi logo depois do encerramento da 17ª Cúpula de Líderes dos países do grupo, que se reuniram por dois dias no Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio de Janeiro.
“O Brics, que não nasceu para afrontar ninguém, é apenas um outro modelo, um outro modo de fazer política, uma coisa mais solidária”, disse a jornalistas. Ele afirmou ainda que o Brics “não quer um mundo tutelado”.
O presidente reforçou a defesa do multilateralismo e apontou o que considera falhas do modelo atual de governança, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que financia países pobres e cobra medidas de austeridade que inviabilizam a recuperação econômica.
“Não é para emprestar dinheiro e levar os países à falência, como o que tem acontecido, porque o modelo de austeridade que tem sido feito por outros países é fazer com que a dívida seja impagável cada vez mais”.
Lula também contestou a formação do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), no qual apenas cinco dos 15 integrantes têm vaga permanente e poder de veto: Estados Unidos, China, Rússia, França e Reino Unido.
“Nós precisamos ter consciência de que o mundo precisa mudar. Nós estamos vendo hoje, possivelmente, depois da Segunda Guerra Mundial [1939-1945], o maior período de conflito entre os países”, apontou Lula, que citou a guerra do Iraque, e as invasões da Líbia e da Ucrânia para dizer que “ninguém pede licença para fazer guerra”, indicando lacuna de atuação do Conselho de Segurança.
“Depois a ONU perde credibilidade e autoridade para negociar. Quem é que negocia?”, indagou.
A declaração final do Brics aponta apoio da China e da Rússia às aspirações do Brasil e da Índia de desempenhar um papel mais relevante no Conselho de Segurança. O Brasil já ocupou vaga rotativa, sem poder de veto.
Lula criticou mais uma vez a ofensiva israelense na Faixa de Gaza. “Já passou da capacidade de compreensão de qualquer mortal do planeta Terra dizer que aquilo é uma guerra contra o Hamas, e só se mata inocente, mulheres e crianças”. No domingo, o presidente brasileiro já havia se referido à ação de Israel como genocídio.
Moedas locais
Atualmente, o Brics conta com 11 países-membros e dez parceiros. Segundo Lula, que ocupa a presidência rotativa anual do grupo, o bloco está aberto para a entrada de mais países. “Uma metamorfose ambulante”, parafraseou.
“Não é uma coisa fechada, não é um clube de privilegiados. É um conjunto de países querendo criar um outro jeito de organizar o mundo do ponto de vista econômico, do ponto de vista do desenvolvimento, do ponto de vista da relação humana”.
Questionado sobre negociações para que o comércio entre os países seja em moedas locais, em vez do dólar americano, Lula afirmou que é muito difícil fazer as pessoas mudarem aquilo com que já estão acostumadas há muitas décadas, mas acrescentou que “o mundo precisa encontrar um jeito de que a nossa relação comercial não precise passar pelo dólar”.
“Ninguém determinou que o dólar é a moeda padrão”, pontuou. “Obviamente que nós temos toda a responsabilidade de fazer isso com muito cuidado. Os nossos bancos centrais precisam discutir isso com os bancos centrais dos outros países, mas é uma coisa que não tem volta. Vai acontecendo aos poucos até que seja consolidado”, completou.
Entenda o Brics
O Brics é formado por 11 países-membros: África do Sul, Arábia Saudita, Brasil, China, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia, Índia, Irã e Rússia. Essas nações representam 39% da economia mundial e 48,5% da população do planeta.
Os países que têm status de parceiros são Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã. Os parceiros não têm poder de voto.
Os países-membros se alternam ano a ano na presidência. O Brasil será sucedido pela Índia em 2026.
Internacional
Ato no Rio defende rompimento do Brics com Israel

Protesto realizado na tarde desta segunda-feira (7) na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, pediu o rompimento de relações econômicas, diplomáticas e militares do Brasil e do Brics com o Estado de Israel. A manifestação foi convocada pelo Comitê de Solidariedade com a Luta do Povo Palestino do estado do Rio no segundo e último dia de reunião do Brics.
O comitê reúne partidos políticos e organizações da sociedade civil. Segundo uma das coordenadoras do grupo, Maristela Santos Pinheiro, as entidades são contrárias à declaração final da 17ª Cúpula do Brics, que voltou a defender, como nas edições anteriores, a solução de dois Estados, um palestino e outro israelense, para o conflito do Oriente Médio que dura mais de sete décadas.
“Os palestinos foram expulsos de suas casas e assassinados para a construção do Estado sionista de Israel. O que restou da Palestina, que foi a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, está sendo massacrado. Estão sendo bombardeados acampamentos de plástico onde a população está”, disse Maristela.
De acordo com a ativista, os movimentos são a favor de um Estado palestino laico, democrático para todos os povos que lá estão, palestinos, judeus e cristãos. “O Estado de Israel foi votado para existir. Não tem relação com aquela terra. Não estamos propondo expulsar os judeus. Queremos um Estado para todos”, afirmou a coordenadora.
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Grupos ligados ao Comitê de Solidariedade com a Luta do Povo Palestino fazem manifestação contra o genocídio do povo palestino na Faixa de Gaza e por uma Palestina livre – Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Apesar de ser membro do Brics, o Irã manifestou, por nota, posição diferente. O chanceler iraniano, Seyed Abbas Araghchi, chamou a solução de dois Estados de “irreal” e defendeu a solução de Estado único para mulçumanos, cristãos e judeus.
“A República Islâmica do Irã considera que uma solução justa para a Palestina seja um referendo com a participação de todos os habitantes originais da Palestina, incluindo judeus, cristãos e muçulmanos, e esta não é uma solução irrealista ou inatingível”, disse o ministro iraniano.
O rabino Yisroel Dovid Weiss, de Nova York, da organização Judeus Unidos contra o Sionismo, disse estar presente à manifestação para demonstrar a necessidade de líderes mundiais reunidos no Brics tomarem ações imediatas a fim de parar o genocídio em Gaza e o inumano bloqueio de comida e ajuda médica por parte de Israel para os moradores da região. “Se opor à ocupação da Palestina não é ser antissemita, não é ser contra a religião judaica, mas ser contra a ocupação sionista do Estado de Israel”, afirmou.
Segundo o rabino, o sionismo é um movimento político de nacionalismo para conquistar terras e oprimir outros povos.
Manifestantes pedem rompimento do Brics com o Estado de Israel – Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
O diretor do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Estado do Rio (Sepe) Eduardo Mariani disse que um estado laico acolhe todas as religiões. “Na Palestina, antes da criação do Estado de Israel em 1948, coexistiam pacificamente judeus e muçulmanos num mesmo território. O Estado de Israel é um Estado artificial criado pelas Nações Unidas. Em 1948, ocorreu a catástrofe em que 750 mil palestinos tiveram que deixar suas residências. Não somos contra os judeus. Somos contra o governo de extrema-direita do Benjamin Netanyahu.”
No documento oficial da cúpula do Rio, publicado neste domingo (6), o Brics defende a retirada completa de Israel da Faixa de Gaza, da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental, territórios palestinos ocupados pelos israelenses desde 1967. O Irã é signatário do documento, mas defende a proposta de estado único para mulçumanos, cristãos e judeus.