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Norma que considerou publicidade infantil abusiva completa 10 anos

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Norma que considerou publicidade infantil abusiva completa 10 anos
© Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

“A gente tinha uma cultura maior de assistir televisão, tinha os programas infantis, que tinham os desenhos animados, e os intervalos eram um tempo grande e tinha bastante publicidade. Me lembro de ter anúncio de bonecas e brinquedos, e mesmo nos programas infantis havia também essa publicidade de alguns brinquedos, né, de forma bem intensa. Ainda lembro de alguns jingles, Lá lé lí ló Lu Patinadora, Big Trem, Danoninho dá”. 

“O menininho do cigarro, que tinha um chocolate em forma de cigarro, do compre Batom, que era tipo de hipnotizar a criança. Parmalat, que era a propaganda com as criancinhas vestidas de bichinhos, eu quero uma Calói. E daqueles joguinhos, cara-a-cara, dos brinquedos do Gugu, do Domingo Legal, dos jogos que ele fazia. Lembro de Comandos em Ação, era muito propaganda de brinquedo. E de alimentos processados, Danoninho, Tang”. 

Após 10 anos da Resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), essas cenas descritas pela antropóloga Renata de Sá Gonçalves, 47 anos, e pelo professor universitário Thiago Silva Freitas Oliveira, 42 anos, não são mais vistas na televisão. Crianças nos anos 1980 e começo dos 1990, os dois cresceram em uma época em que era muito comum o que ficou conhecido como publicidade infantil abusiva, com os anúncios que se proliferavam especialmente em outubro, mês das crianças, e em dezembro, antes do Natal. 

A norma, que completou uma década em março deste ano, “dispõe sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente” e, na prática, retirou as propagandas dirigidas ao público infantil dos meios de comunicação tradicionais.
 


Rio de Janeiro (RJ) 30/10/2024 - A antropóloga Renata Gonçalves e sua filha Rosa, de 10 anos.
Foto: Renata Gonçalves/Arquivo Pessoal
Rio de Janeiro (RJ) 30/10/2024 - A antropóloga Renata Gonçalves e sua filha Rosa, de 10 anos.
Foto: Renata Gonçalves/Arquivo Pessoal
A antropóloga Renata Gonçalves e a filha Rosa, de 10 anos. Foto: Renata Gonçalves/Arquivo Pessoal

As crianças que nasceram com a Resolução 163 em vigor sabem o que são os comerciais, mas têm uma lembrança diferente de seus pais, como Rosa, de 10 anos, filha de Renata. 

“É assim, quando eu tô vendo uma coisa na TV e aí aparece uma propaganda. É tipo, se você trabalha em uma farmácia e quer mostrar um remédio pras pessoas, aí você coloca pras pessoas saberem e tal, eu acho”. 

Théo, 10 anos, filho de Thiago, vê anúncios nos jogos de celular e nos canais de desenho animado. 

“Propaganda é o negócio chato que aparece na hora que você está jogando no celular. Tem propaganda de compra e de outros jogos. Na televisão, eu vejo Nickelodeon, Disney e Netflix, não tem propaganda de jogo, mas tem tipo de farmácia, shopping, essas coisas”.

 


Rio de Janeiro (RJ) 30/10/2024 - O professor Thiago Oliveira e seu filho Théo, de 10 anos.
Foto: Thiago Oliveira/Arquivo pessoal
Rio de Janeiro (RJ) 30/10/2024 - O professor Thiago Oliveira e seu filho Théo, de 10 anos.
Foto: Thiago Oliveira/Arquivo pessoal
O professor Thiago Oliveira e o filho Théo, de 10 anos. Foto: Thiago Oliveira/Arquivo pessoal

Questão ética 

O professor de comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Adilson Cabral, que ministra a disciplina de ética e legislação publicitária, explica que o tema estava em discussão na sociedade no início da década passada. Entre as instituições que fizeram campanhas pelo fim da publicidade abusiva dirigida para crianças estão o Instituto Alana, o Conselho Federal de Psicologia e o Plenarinho, programa educativo da Câmara dos Deputados. 

“O que está por trás da resolução é justamente não compreender a criança como definidora da compra, né? Então, é muito sedutor colocar uma criança numa publicidade, num filme publicitário, falando, cheio de energia e tal, para que os pais se mobilizem e fiquem sensíveis ao apelo da criança e também as crianças pressionem, de uma certa forma, os pais, para comprar o que está sendo apresentado no comercial, destaca Cabral.

Para a atual presidenta do Conanda, Marina de Pol Poniwa, psicóloga e também conselheira do Conselho Federal de Psicologia, a Resolução 163 foi motivada pelo contexto social histórico e político daquele momento. 

“Imagina que na época eram intensas propagandas como ‘compre Batom, compre Batom, compre Batom’. Esse é um dos exemplos para citar o quanto se determinava o consumo de determinados produtos, e produtos especialmente para crianças e adolescentes. E com o objetivo mesmo de persuadi-las para que consumissem determinadas coisas”. 

Poniwa destaca que as propagandas abusivas podiam gerar problemas sociais e de saúde nas crianças e adolescentes, como ansiedade, frustração, violência e obesidade infantil, pelo incentivo ao consumo de alimentos ultraprocessados e super calóricos. 

“Com toda certeza, esses processos, além de enganosos, também são danosos e colocam crianças e adolescentes em situação de desproteção social, por também enganá-las e elas terem dificuldade de se orientar a partir do que é o melhor ou não para elas, já que elas não têm uma autonomia plena sobre os processos de decisão”. 

Caminhos da Reportagem | Publicidade Infantil
 

A indústria dos brinquedos admitia que a ideia da publicidade infantil era justamente seduzir a criança para que ela fosse a definidora da compra. Em um episódio do Caminhos da Reportagem de 2011 (vídeo acima) , programa da TV Brasil, o presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), Synésio Batista, afirma que o alvo das propagandas do setor era o público infantil. 

“A criança é o indivíduo que mais negocia na família brasileira, é o maior negociante na família brasileira. Nós temos aqui nesse país 57 milhões de crianças no nosso target de até 12 anos. Vinte milhões de crianças, eu não consigo vender nada. Mas 30 milhões de crianças decidem o que querem. Nós não fazemos propaganda para o pai e para a mãe, porque não é ele que resolve. É a criança que diz, eu quero isto”.  

A reportagem procurou a Abrinq, que não pôde gravar entrevista, mas se manifestou por meio da assessoria de imprensa. Em nota, informou que “a posição da Abrinq é respeitar o que foi determinado e zelar pelas crianças”. 

O presidente do Conselho da Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e PersonagensLicensing International (Abral), Rodrigo Paiva, disse que a associação não foi convidada a participar das discussões em 2014, que levaram ao fim da publicidade dirigida para as crianças, e foi surpreendida com a norma. 

“A Abral é totalmente contra qualquer tipo de propaganda enganosa e abusiva. O que nós não concordamos na Resolução 163 é a tentativa de tipificar a mera presença de excesso de cores, trilha sonora infantil, a simples presença de crianças, personalidades reconhecidas pelo universo infantil e a própria presença de personagens como um ato de abusividade”. 

De acordo com ele, o setor tem suas próprias regulamentações para coibir a abusividade nos comerciais. 

“O próprio mercado, seguindo as orientações do Código de Autorregulamentação Publicitária, criado na década de 1970, já preserva o cuidado de não estimular o consumo excessivo, o comando de compra, verbos no imperativo são proibidos, não vincular o consumo de qualquer produto a algum tipo de superioridade, o respeito aos pais e a clara identificação do conteúdo publicitário”.  

Mudanças


Movimento de vendas de brinquedos para o Dia das Crianças, comércio varejista nas ruas do Polo Saara, centro do Rio de Janeiro.
Movimento de vendas de brinquedos para o Dia das Crianças, comércio varejista nas ruas do Polo Saara, centro do Rio de Janeiro.
Movimento de vendas de brinquedos para o Dia das Crianças, comércio varejista nas ruas do Polo Saara, centro do Rio de Janeiro. – Fernando Frazão/Agência Brasil

A presidente do Conanda, Marina de Pol Poniwa, destaca que a Resolução 163 foi um marco histórico e, mesmo sem poder de lei para proibir as propagandas, tem sido usada pelo poder público para coibir a abusividade. 

“Todas as resoluções do Conanda são vinculantes, não têm o poder de lei, mas orientam e dão diretrizes para decisões, por exemplo, do Poder Judiciário, para a atuação do Ministério Público e dos defensores públicos. Então, essa resolução é utilizada até hoje nas decisões judiciais ou para orientar mesmo o sistema de garantia de direitos e na proteção das crianças e adolescentes nos territórios reais e nos territórios virtuais”. 

Para Renata, o modelo de televisão também mudou, reduzindo a exposição das crianças aos intervalos comerciais. “A Rosa, por exemplo, já não assiste programa infantil com propaganda, já vai dirigido para os episódios em específico, então ela não fica nesse ciclo de, obrigatoriamente, ter que acessar uma publicidade na TV”. 

Porém, ela destaca que o mercado de produtos infantis se adaptou aos novos tempos. “Mas eu acho que essa geração é mais assolada por propaganda do que é nossa. Porque tudo no mundo, de alguma forma, tá voltado para isso, né? Você vai ao cinema, tem o copo da pipoca do tema do cinema, aí tem um brinquedinho que vai ser vendido não sei onde, aí o chinelinho vem com o tema do filme. Então tem um outro circuito de publicidade que é tão intenso quanto, talvez até mais, né? Porque é muito mais capilarizado”. 

Thiago admite que, influenciado pelas propagandas, sentiu falta de muita coisa na infância. “Tem uma diferença hoje que, financeiramente, eu consigo dar mais coisas para os meus filhos, do que na época do meu pai. Eu acho que de certa maneira, isso gerou algum trauma em mim, de não ter conseguido muita coisa que eu quis quando era criança, mas eu sei que a propaganda tinha muito desse trabalho”. 

Atualmente, ele percebe a diferença nos desejos e pedidos infantis. “Chega fim de ano, a diferença do meu Natal para o Natal deles, a quantidade de propaganda que tinha, e aí você ficava querendo um, outro, três, quatro, cinco, vários brinquedos ao mesmo tempo. Agora, meus filhos têm uma coisa só que eles pensam que querem, só. Tem essa diferença, realmente. Óbvio que eu estou falando de uma bolha social econômica específica, né?” 

O presidente do Conselho da Abral, Rodrigo Paiva, explica que a entidade trabalha com a conscientização dos associados e divulga cartilhas sobre as melhores práticas de publicidade para o público infantil, inclusive na internet e com a contratação de influenciadores digitais. 

“De maneira proativa, capacitamos a conhecerem todas as formas corretas de se comunicar com a criança de forma responsável. A Abral criou, inclusive, milhares de exemplares de cartilhas, de forma física e digital, reforçando as orientações sobre a necessidade ética e responsável na comunicação, inclusive no ambiente digital. Desenvolvemos, em datas como o Dia das Crianças e Natal, campanhas de conscientização com o apoio de mais de 30 entidades do mercado, visando uma comunicação adequada”. 

Para o professor de ética publicitária Adilson Cabral, ainda é preciso avançar para fazer do ambiente publicitário um local mais ético, não só nos produtos voltados para as crianças. 

“O ponto de partida que eu trabalho na disciplina é compreender que existe uma criatividade responsável possível para se lidar com a inevitabilidade da publicidade. Ou seja, em qualquer contexto, considerando que existem produtos diferentes e variados, é necessário ter uma publicidade que estabeleça diferenças em relação ao que é a qualidade, ao que é a característica de um em relação ao outro produto. Então, a publicidade não deixaria de existir, mas ela precisa se assumir numa perspectiva de responsabilidade social que a falta de freio do mercado não vem proporcionando”.

Podcast


Brasília (DF), 21.08.2024 - Arte para a matéria Crianças Sabidas - Eleições 2024. Arte/Agência Brasil
Brasília (DF), 21.08.2024 - Arte para a matéria Crianças Sabidas - Eleições 2024. Arte/Agência Brasil
Radioagência Nacional lança podcast Crianças Sabidas sobre publicidade infantilArte/Agência Brasil

Confira na Radioagência Nacional o podcast Crianças Sabidas sobre publicidade infantil. De forma lúdica, os conteúdos trazem informações para o público infantil com tratamento jornalístico. 

 

Com informações: agenciabrasil.ebc.com.br

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A complexidade e a liderança por trás dos grandes projetos submarinos

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O setor de óleo e gás permanece como um dos pilares estratégicos da economia mundial, responsável por movimentar trilhões de dólares e impulsionar a inovação tecnológica em escala global.Nesse cenário, a exploração offshore, especialmente em águas profundas e ultraprofundas, tornou-se fundamental, exigindo o desenvolvimento de tecnologias cada vez mais complexas e seguras.

Empresas que atuam com tecnologia submarina têm papel decisivo nesse ecossistema. Elas desenvolvem sistemas integrados de produção submarina, válvulas, bombas, compressores, árvores de natal molhadas e equipamentos de controle de fluxo capazes de operar sob condições extremas de pressão e temperatura. O objetivo é aumentar a eficiência da produção, reduzir custos operacionais e garantir a segurança ambiental das operações.

Nos últimos anos, a digitalização e a automação transformaram profundamente o setor. Sensores inteligentes, sistemas de monitoramento remoto e análise de dados em tempo real permitem prever falhas, otimizar a produção e aumentar a vida útil dos equipamentos. Essa integração entre engenharia, automação e inteligência artificial redefiniu o conceito de eficiência operacional no fundo do mar.

Liderança e Estratégia em Projetos Submarinos

Nesse ambiente altamente técnico e competitivo, profissionais de liderança exercem papel essencial para o sucesso de cada operação. À frente de projetos complexos está Bruno Rompkovski, executivo com sólida trajetória internacional no setor, que atua como responsável pelas áreas de Licitações, Propostas, Operações Comerciais e Projetos em uma das maiores empresas globais de tecnologia submarina.

Rompkovski liderou projetos submarinos de grande porte em diversas regiões do mundo, unindo conhecimento técnico e visão estratégica. Em sua função como Western Hemisphere Tender Manager, ele supervisiona o portfólio de propostas para produtos, sistemas e serviços submarinos no Hemisfério Ocidental, assegurando consistência global, conformidade e alinhamento com os objetivos corporativos.

Sua atuação envolve definir e implementar estratégias de licitação, gerenciar propostas complexas e desenvolver soluções competitivas que impulsionam receitas e destravam casos de negócios desafiadores junto a grandes operadores do setor. O papel que desempenha exemplifica a importância de uma liderança técnica e comercial integrada, capaz de conectar engenharia de ponta, inovação e resultados financeiros sustentáveis.

Os desafios enfrentados por gerentes comerciais e diretores de projetos nesse setor são notáveis. “O ciclo de vendas de soluções submarinas é longo, técnico e envolve contratos de alto valor, frequentemente em múltiplas jurisdições, exigindo uma combinação rara de visão estratégica, domínio técnico e capacidade de negociação”, afirma Bruno.

Atuando em posições que exigem tanto visão comercial quanto conhecimento técnico aprofundado, Bruno gerencia negociações complexas e coordena equipes multidisciplinares. A experiência de Rompkovski ilustra como o sucesso no setor depende de uma atuação integrada, em que gestão, engenharia e estratégia comercial caminham lado a lado para garantir resultados sustentáveis e inovadores.

O futuro do mercado de óleo e gás, em especial no segmento de tecnologia submarina, aponta para uma integração cada vez maior entre inovação, sustentabilidade e automação. A busca por operações mais seguras, eficientes e com menor impacto ambiental orienta novos investimentos em inteligência artificial, robótica submarina e soluções energéticas híbridas.

Assim, o setor continua sendo um dos mais desafiadores e fascinantes do mundo industrial. Profissionais como Bruno Rompkovski exemplificam o perfil de liderança que impulsiona essa transformação — combinando excelência técnica, gestão estratégica e visão global em um ambiente onde inovação e resiliência são essenciais para o sucesso.

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Zurich Seguros anuncia Thales Amaral como novo diretor comercial regional RJ/ES/N/NE

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A Zurich Seguros anuncia Thales Amaral como novo diretor regional responsável pelas operações do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Norte e Nordeste. O executivo, que está na Zurich desde 2021 e possui sólida trajetória no mercado segurador e ampla experiência em cargos de liderança comercial, assume a diretoria regional com a missão de fortalecer a presença da companhia nessas regiões e intensificar o relacionamento com corretores, parceiros e clientes locais. 
A Diretoria Comercial Regional RJ/ES/N/NE reúne mercados estratégicos para o plano de expansão nacional da Zurich. Além de atuar em capitais altamente competitivas, como Rio de Janeiro, Recife e Salvador, a regional também abrange polos em crescimento acelerado no Norte e Nordeste e municípios em desenvolvimento no Espírito Santo e Rio de Janeiro. A Zurich tem intensificado sua atuação nesses mercados com foco em soluções customizadas, excelência no atendimento e inovação nas ofertas, especialmente nas linhas de seguros voltados ao varejo. 
“As regiões sob responsabilidade do Thales são fundamentais para o nosso crescimento sustentável e ampliam nossa presença em mercados que valorizam relacionamento, confiança e soluções sob medida. Temos convicção de que sua experiência e proximidade com os parceiros locais serão fundamentais para darmos continuidade aos excelentes resultados que temos alcançado, sempre com foco na geração de valor de longo prazo”, destaca Marcio Benevides, diretor executivo de Distribuição da Zurich Seguros. 
Com essa movimentação, a Zurich reforça sua estratégia de continuidade de uma liderança próxima, técnica e orientada ao cliente, alinhada à missão da companhia de oferecer proteção com excelência e antecipar as necessidades de um mercado em constante transformação. 

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Parecer do Senado reconhece que o homeschooling é o direito de educar nasce na família

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Autoria: Zizi Martins

A luta pelo reconhecimento da liberdade educacional no Brasil tem raízes que remontam a 1994, quando o Projeto de Lei 4.657 propôs, pela primeira vez, a regulamentação do ensino domiciliar. Desde então, milhares de famílias têm enfrentado perseguições judiciais e administrativas por exercerem o direito mais básico: educar seus filhos conforme seus valores, crenças e convicções. O homeschooling não é uma moda, mas uma expressão legítima de um direito natural dos pais educarem seus filhos, que, além de tudo, lhes permite o desenvolvimento pleno de seu potencial em um ambiente personalizado, seguro e alinhado aos princípios familiares.

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade do ensino domiciliar ao decidir que sua ausência de regulamentação não o torna ilegal, mas sim um vácuo legislativo a ser preenchido. Ministros como Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso foram claros: a educação é dever conjunto da família e do Estado, e os pais têm liberdade para escolher a forma de ensino, desde que respeitados os princípios constitucionais Esse marco abriu caminho para a esperança de uma regulamentação justa e equilibrada.

Essa esperança ganhou corpo com a aprovação, em maio de 2022, do PL 1338/2022 pela Câmara dos Deputados. O projeto, que altera a LDB e o ECA para permitir o ensino domiciliar com supervisão estatal, foi aprovado com 264 votos favoráveis, demonstrando amadurecimento político e reconhecimento do direito das famílias. Hoje, tramita no Senado, sob a relatoria da senadora Professora Dorinha, que apresentou parecer, reforçando a necessidade de segurança jurídica para os pais.

O parecer favorável da senadora Professora Dorinha, apresentado em 6 de outubro de 2025, é o fato novo que confirma a necessidade de mudar o rumo do Estado brasileiro em relação ao ensino domiciliar. Como relatora do PL 1338/2022 na Comissão de Educação do Senado, Dorinha não apenas endossou o projeto, mas o fez com um relatório claro, técnico e profundamente alinhado com os princípios da liberdade familiar e da autonomia pedagógica. Ela, que também é especialista em Educação, reconhece que o ensino domiciliar é uma escolha legítima, respaldada por valores constitucionais, e que o Estado tem o dever de regulamentar sem dificultar ou proibir. Esse posicionamento político e jurídico ratifica o que há décadas famílias educadoras buscam em termos de reconhecimento. E que mais de 60 países também já consagraram.

Apesar disso, a perseguição persiste. Em Manhuaçu (MG), o Ministério Público processou cinco famílias por praticarem homeschooling, exigindo matrícula compulsória e ameaçando multas e desobediência. Casos semelhantes ocorrem em diversos estados, revelando um padrão de hostilidade institucional contra pais que buscam apenas o melhor para seus filhos. Essa criminalização da parentalidade é incompatível com uma sociedade democrática e não se sustenta frente às evidências sociais e científicas.

O direito à educação domiciliar é natural, anterior ao Estado, e está protegido por tratados internacionais como o Pacto de San José da Costa Rica, que tem hierarquia constitucional no Brasil. A UNESCO, agência da ONU, em relatório recente, também reconheceu o homeschooling como uma alternativa válida para garantir ambientes educativos seguros, personalizados e inclusivos, alinhados ao direito universal à educação. O mundo avança; o Brasil insiste em punir quem ousa escolher.

A regulamentação do PL 1338/2022 não é um favor, mas uma obrigação. Ela traz regras claras: matrícula em instituições para acompanhamento, avaliações periódicas e qualificação dos responsáveis. Nada disso representa ameaça à sociedade, mas sim responsabilidade e transparência. O que está em jogo é a liberdade educacional: o direito de cada família escolher a melhor forma de ensino, com base em evidências de excelência acadêmica, desenvolvimento integral e valores éticos. O ensino domiciliar tem demonstrado resultados superiores em aprendizagem, formação cívica e preparação para a vida adulta, com alunos mais autônomos, críticos e bem-sucedidos na vida civil.

As famílias que educam em casa não fogem da sociedade. Ao contrário, preparam cidadãos mais autônomos, críticos e resilientes. Estudos internacionais mostram que alunos homeschoolers têm desempenho superior em avaliações e maior taxa de sucesso no ensino superior. No Brasil, a comunidade cresce com eventos, plataformas e materiais didáticos, provando que é possível construir um ecossistema educacional paralelo, plural e eficaz.

É hora de o Brasil reconhecer que a liberdade educacional não é privilégio, mas direito fundamental. O PL 1338/2022 é o caminho para garantir proteção estatal àqueles que já a exercem sob risco. Regular não é permitir, é reconhecer. E proteger não é favorecer, é cumprir a Constituição. A família, não o Estado, é o primeiro e mais importante espaço de formação humana. E esse direito natural merece, finalmente, ser respeitado.

*Zizi Martins é ativista pela liberdade. Vice-presidente do Conselho Administrativo da ANED, membro fundadora e diretora da Lexum, Presidente do Instituto Solidez e membro do IBDR. Procuradora do Estado da Bahia, Advogada. Com mestrado em direito público e especialização em Direito Religioso, Doutora em Educação, Pós-Doutora em Política, Comportamento e Mídia.

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